O Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 dezembro (“DL 99/2024”), entrou em vigor em 18 de dezembro de 2024.
O DL 99/2024 procedeu à transposição parcial da Diretiva RED III para o ordenamento jurídico português e vem introduzir inovações no quadro regulatório aplicável às energias renováveis, incluindo a aceleração e simplificação de procedimentos para o licenciamento de projetos de energias renováveis, a facilitação da ligação das instalações de produção de energia renovável à rede elétrica e o reforço dos mecanismos de garantia de origem da eletricidade proveniente de fontes renováveis.
Estas alterações têm impacto no Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional e no Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, que aprova o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente.
A par das alterações introduzidas pela Diretiva europeia, o referido Decreto-Lei visa ainda a simplificação e desburocratização do licenciamento de projetos de energias renováveis e a promoção da produção descentralizada de energia, através de comunidades de energia renovável e autoconsumo, adequando o quadro normativo plasmado no Decreto-Lei n.º 15/2022.
De entre as principais alterações, destacamos as seguintes:
Definições legais: armazenamento e hibridização
O regime legal distingue agora, quanto ao armazenamento:
✓ “Armazenamento autónomo”, que pressupõe que a instalação tenha ligação direta à RESP (Rede Elétrica de Serviço Público) e não esteja associada a centro eletroprodutor ou UPAC (Unidade de Produção para Autoconsumo);
✓ “Armazenamento colocalizado”, que abrange as situações em que uma instalação de armazenamento se encontre combinada com um centro eletroprodutor de fonte renovável ou UPAC, ligados no mesmo ponto de acesso à rede.
O conceito de hibridização foi também alterado, de forma a incluir a instalação de novas unidades de armazenamento.
Presunção de interesse público
No âmbito, quer do regime previsto no Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril (Regime da Rede Natura 2000), quer da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água), presume-se o interesse público, para a saúde e segurança públicas, ao planeamento, construção e exploração dos centros electroprodutores de fonte renovável e/ou de instalações de armazenamento, incluindo a sua ligação à rede.
Título de reserva de capacidade de injeção na RESP - caução na modalidade de acordo com o operador de rede
O pedido de atribuição do título de reserva de capacidade de injeção na RESP, em qualquer das suas modalidades, depende da prévia prestação de caução destinada a garantir a obtenção dos títulos de controlo prévio por parte do interessado.
Neste contexto, o DL 99/2024 reduziu o valor da caução a prestar com o pedido, na modalidade de acordo entre o interessado e o operador da RESP, de €15.000,00 para € 10.000,00 por MVA de reserva de capacidade a atribuir (mantendo-se o limite máximo de € 10.000.000,00).
Prevê-se também que a caução seja mantida pelo prazo mínimo de 30 meses e prorrogada até à entrada em funcionamento do centro eletroprodutor, instalação de armazenamento ou UPAC.
Prazos dos procedimentos de controlo prévio administrativo
O DL 99/2024 reforma o regime de prazos procedimentais aplicável à emissão de licenças de produção e de exploração. Assim, o prazo para emissão das licenças de produção e de exploração não pode exceder, no seu conjunto, os seguintes limites:
✓ Dois anos, para os projetos de energias renováveis;
✓ Três anos, para os projetos de energias renováveis offshore.
A possibilidade de prorrogação destes prazos fica limitada a seis meses e à verificação de circunstâncias extraordinárias decorrentes dos projetos, com impacto, designadamente, na segurança e fiabilidade da RESP.
Esclarece-se que os prazos procedimentais excluem os períodos:
✓ Para a construção dos centros eletroprodutores de energia renovável, incluindo as respetivas ligações à rede, e das infraestruturas conexas para garantir a estabilidade, fiabilidade e segurança da RESP;
✓ Do processo administrativo para as modernizações significativas da rede, para garantir a sua estabilidade, fiabilidade e segurança;
✓ Dos processos para a impugnação, administrativa ou judicial.
Isenção de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)
Os centros eletroprodutores de fonte primária solar, e respetivas instalações de armazenamento de energia, passarão a estar isentos de AIA quando sejam instalados em edifícios ou estruturas artificiais, existentes ou futuras.
Esta isenção não se aplica à instalação dos referidos centros eletroprodutores e respetivas instalações de armazenamento de energia:
✓ Em superfícies de massas de água artificiais;
✓ Em áreas ou edifícios classificados ou em vias de classificação e respetivas zonas de proteção, ou em zonas ou estruturas relevantes para a salvaguarda dos interesses de defesa nacional ou de segurança.
Avaliação de Impacte Ambiental (procedimento de definição de âmbito)
Sem prejuízo do propósito simplificador do DL 99/2024, a proposta de definição de âmbito (PDA) do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) passou a ser obrigatória no caso de centros eletroprodutores de energia renovável e infraestruturas conexas sujeitos a AIA.
Cedências aos Municípios
De acordo com a nova redação introduzida pelo DL 99/2024, o titular de centro eletroprodutor de eletricidade de fonte renovável ou de instalação de armazenamento, com potência de ligação atribuída superior 1 MVA (por oposição a 50 MVA, na redação anterior) , cede, por uma única vez e gratuitamente, ao município ou municípios onde se localiza o centro eletroprodutor, uma UPAC ou um posto de carregamento elétrico com potência instalada equivalente a 1 % da potência de ligação da central ou instalação de armazenamento (na redação anterior este valor situava-se nos 0,3%) . Alternativamente, mantém-se a possibilidade do Município optar por uma prestação pecuniária, no valor de €1500 por MVA de potência de ligação.
Regime Jurídico da RAN (Reserva Agrícola Nacional)
Encontra-se agora prevista a possibilidade de utilização de áreas integradas na RAN para a produção de energia renovável, quando, cumulativamente:
✓ O perímetro de implementação de centros eletroprodutores solares e das respetivas linhas internas e de ligação à RESP inclua áreas integradas na RAN;
✓ Estas áreas representem menos de 10 % da área total contratadas;
✓ As mesmas áreas tiverem menos de 1 hectare.
Prevê-se ainda a presunção de cumprimento dos requisitos constantes do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março (Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional) quando a utilização de áreas integradas na RAN para colocação de apoios e passagem de linhas internas e de ligação de centros eletroprodutores à RESP não impuser restrições decorrentes da constituição da servidão da linha que prejudiquem a cultura dominante na área afetada.
Conceito de “proximidade” no autoconsumo coletivo
Tal como já resultada do regime anterior, o conceito de proximidade entre as UPAC e as IU (Instalação Elétrica de Utilização) exige, em alternativa:
✓ Proximidade de ligação: quando estejam ligadas por linha direta ou linha interna ou, caso operem através da RESP, estejam ligadas no mesmo posto de transformação (redes de distribuição de energia em baixa tensão) ou subestação (Rede Nacional de Distribuição ou Rede Nacional de Transporte); ou
✓ Proximidade geográfica - distância entre a IU e as UPAC de 2 Km no caso de ligação em baixa tensão; 4km no caso de ligação em média tensão; 10 km nas ligações em alta tensão e 20 km nas ligações em muito alta tensão.
O diploma veio clarificar esta dicotomia, no que diz respeito às UPAC ligadas à RND e RNT e alargar para o dobro as distâncias referidas, no caso territórios de baixa densidade, que serão identificados em Portaria. Não obstante, o novo n.º 4 do artigo 83.º remete para as alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, o que suscita dúvidas (pois só na alínea a) é que se referem distâncias). Porventura o legislador quereria referir a alíneas a) e c), mas teremos que aguardar por uma eventual retificação.
Estatuto do Cliente Eletrointensivo
O regime jurídico que enquadra o estatuto do cliente eletrointensivo é ajustado, numa tentativa de torná-lo mais competitivo e assegurar a sua conformidade com o Direito da União Europeia, em especial com as normas relativas a auxílios de Estado.
Neste âmbito, o DL 99/2024, prevê, entre outros, uma redução de 75 % ou 85 % dos encargos correspondentes aos CIEG (custos e interesse económico geral) que incidem sobre a tarifa de uso global do sistema, na componente de consumo de energia elétrica proveniente da RESP, não podendo tal redução pressupor um pagamento do encargo em valor inferior a 0,5 EUR/MWh.
Atividade de registo e contratação bilateral de energia
São aditadas diversas disposições que visam regular a atividade de registo e contratação bilateral de energia, constituída por:
✓ Atividade de Registo de Contratos Bilaterais de energia e/ou potência, nas suas condições de preço e de volume de contratos, de adesão obrigatória, sem prejuízo das demais obrigações aplicáveis no relacionamento, quando necessário, com o gestor global do SEN;
✓ Atividade de Contratação Bilateral de energia e/ou potência, de adesão voluntária.
Sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades administrativas nos domínios específicos das suas competências, cabe à ERSE regulamentar a atividade de registo e contratação bilateral de energia, a quem compete também aprovar o Manual de Procedimentos da atividade de registo e contratação bilateral de energia, o qual deve ser proposto pela entidade gestora à ERSE, cabendo-lhe ainda a monitorização e supervisão da respetiva aplicação.
Os termos e condições da atividade de registo e contratação bilateral de energia foram já aprovados pela Portaria n.º 367/2024/1, de 31 de dezembro, que define os termos e condições para o exercício da atividade de registo e contratação bilateral de energia, e que prevê a entrada em funcionamento no prazo de 180 dias contados da publicação da portaria, da plataforma eletrónica que permita, o registo (obrigatório) dos contratos de aquisição de energia, e da contratação bilateral voluntária, deixando para regulamentação futura a definição dos termos e condições a que deve obedecer o seu funcionamento e operação.
Em abril de 2022, publicámos um Alerta Legal sobre o Decreto-Lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril.
Este diploma aprovou um conjunto de medidas excecionais que visaram acelerar a transição ecológica na União Europeia, para fazer face ao aumento dos preços dos combustíveis fósseis, através da simplificação dos procedimentos de instalação e entrada em funcionamento de:
✓ Centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis, instalações de armazenamento, unidades de produção para autoconsumo (UPAC) e respetivas linhas de ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP);
✓ Instalações de produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água;
✓ Infraestruturas de transporte e distribuição de eletricidade.
O prazo de vigência das medidas excecionais foi, primeiro, fixado em dois anos, contados de 19 de abril de 2022, e, depois, através do Decreto-Lei n.º 22/2024, de 19 de março, prorrogado até 31 de dezembro de 2024.
Em conformidade com o que já havia sido anunciado através do Comunicado do Conselho de Ministros de 18 de dezembro de 2024, foi agora publicado o Decreto-Lei n.º 116/2024, de 30 de dezembro, que vem novamente prorrogar a vigência do Decreto-Lei n.º 30-A/2022, que passa a vigorar até 31 de dezembro de 2026.
Recordamos, no seguimento do Legal Alert de abril de 2022, que estas medidas incluem a simplificação da avaliação de impacto ambiental para projetos fora de áreas sensíveis, a adaptação dos regimes ambientais para projetos de hidrogénio por eletrólise e a compensação aos municípios pela instalação de centros electroprodutores e de armazenamento, designadamente:
✓ A pronúncia da autoridade de avaliação de impacte ambiental (AIA) fora das áreas sensíveis e quando os projetos estejam abaixo dos limiares estabelecidos no Anexo II ao Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, ocorrerá apenas a pedido da entidade licenciadora quando haja indícios de que o projeto é suscetível de provocar impactes significativos no ambiente (no caso de projetos de instalação de centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis, instalações de armazenamento, de UPAC, as respetivas linhas de ligação à RESP, bem como os projetos de produção de hidrogénio por eletrólise a partir da água);
✓Os pareceres obrigatórios previstos nos regimes jurídicos setoriais aplicáveis às atividades e infraestruturas acima indicadas terão de ser emitidos pelas entidades competentes no prazo de 10 dias após receção do pedido para o efeito, equivalendo a ausência de emissão de parecer nesse prazo a não oposição ao pedido, que seguirá os respetivos trâmites ulteriores;
✓ É dispensada, para efeitos da entrada em exploração dos centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis, das instalações de armazenamento e das UPAC, a prévia emissão de licença de exploração ou de certificado de exploração a emitir pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), desde que o operador de rede confirme a existência de condições técnicas para a ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP) e seja realizada prévia notificação à DGEG que a comunica, de imediato, ao gestor global do Sistema Elétrico Nacional e ao operador de rede competente;
✓ A instalação de centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis e de UPAC deve observar as determinações previstas no Decreto-Lei n.º 30-A/2022, independentemente de ter havido lugar ao procedimento de AIA ou de análise de incidências ambientais, entre as quais destacamos: (i) manter preferencialmente o distanciamento mínimo de 0,1 km em redor dos aglomerados rurais e do solo urbano, exceto nos casos em que o solo urbano seja destinado à instalação de atividade económica; bem como (ii) ser preservado o recurso solo vivo, com o revestimento natural adequado (designadamente através da plantação ou fomento de vegetação natural espontânea em toda a área de intervenção); e ainda (iii) a concentração territorial do centro eletroprodutor de fontes de energia renováveis, instalações de armazenamento e de UPAC garantindo a redução da área ocupada, bem como a diminuição do número e dimensão das linhas de ligação do centro eletroprodutor à RESP de modo a assegurar a maior proteção do recurso território e do ambiente.
✓ O procedimento de controlo prévio para a instalação de centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis e de UPAC com potência instalada igual ou superior a 20 MW ou, no caso de centro eletroprodutor de fonte primária eólica com pelo menos 10 torres, é instruído com uma proposta de projetos de envolvimento das comunidades locais;
Estas medidas não prejudicam a aplicação do mecanismo de compensação aos municípios previsto no Decreto-Lei n.º 15/2022.
✓ Os centros eletroprodutores eólicos mantêm a possibilidade de injetar energia na RESP acima da potência de ligação atribuída, de modo a garantir a máxima produção possível em função da potência instalada de cada centro eletroprodutor, aplicando-se o disposto no Decreto-Lei n.º 15/2022 quanto à interrupção da injeção da energia do reequipamento e à remuneração da energia do reequipamento.