Autores: Nuno Schaller Gonçalves; Ricardo Gil Santos
A integração da Inteligência Artificial (IA) no setor dos seguros está a transformar as práticas tradicionais e a trilhar um novo caminho para soluções mais inovadoras e transformacionais, quer do ponto de vista de eficiência operacional, quer do ponto de vista do aparecimento de novas formas de abordar os clientes – mais eficazes e com ofertas mais personalizadas.
Recuemos ao século XVIII, quando os primeiros atuários iniciaram a recolha e análise de dados sobre sinistros e mortalidade, e avancemos depois para 2024, onde a seguradora Ping An, sediada em Shenzhen, ocupa o segundo lugar no ranking de patentes de Inteligência Artificial Generativa (GenAI); sendo apenas ultrapassada pelo gigante tecnológico chinês Tencent.
Com este foco inovador, olhemos para o futuro próximo. Estudos recentes da Deloitte destacam o panorama e as implicações da evolução da GenAI para o setor segurador.
Ainda que por vezes sejam usados como sinónimos, é importante esclarecer os conceitos de Analítica Avançada, IA e GenAI, bem como a forma como estes conceitos estão interligados.
A analítica avançada é o processo de extrair insights a partir de dados históricos ou em tempo real. O objetivo é descrever o passado, diagnosticar e correlacionar causas para aquele comportamento histórico, prever comportamentos futuros e prescrever soluções.
Por sua vez, a IA é a capacidade de uma máquina reproduzir competências semelhantes às humanas como é o caso do raciocínio, a aprendizagem, o planeamento e a criatividade. Assim, a IA compreende todos os sistemas e algoritmos capazes de resolver problemas, reconhecer padrões, entender linguagem, interpretar imagens, entre outros.
Por último, a GenAI é um subset do ecossistema de IA que tira partido de modelos fundacionais, como por exemplo o GPT-4, que foram treinados tendo por base enormes volumes de dados disponíveis na internet, incluindo livros, artigos científicos ou websites. Assim, estes modelos têm a capacidade de entender como os humanos comunicam, sendo assim capazes de interpretar informação não estruturada e criar conteúdo novo, seja texto, imagem, código de software, áudio ou vídeo.
Deste modo, estes três campos sobrepõem-se e complementam-se, dado que a IA permite melhorar e otimizar o processo de analítica avançada. A GenAI, sendo um campo dentro da IA que existe a partir da recolha, processamento e análise de enormes volumes de dados, contribui positivamente através da sua capacidade de transformar dados não estruturados em dados estruturados. Estes dados podem depois ser usados para criar correlações, estabelecendo assim um ciclo de continuidade e complementaridade entre estes campos.
Historicamente, as seguradoras utilizam informação/dados para todos os processos de tomada de decisão — genericamente desde a subscrição de um risco até ao tratamento de um sinistro. Tome-se como exemplo os modelos de risco que fundamentaram o pricing dos seguros, os quais criaram uma cultura analítica profundamente enraizada no setor. Assim, a análise de dados tradicional e as ferramentas de analítica avançada continuam a ser essenciais, nomeadamente à medida que a disponibilidade e complexidade dos dados aumenta. Simultaneamente, a personalização passou a ser um fator de sobrevivência num cenário de mercado, em particular o português, cada vez mais concentrado. Embora as tecnologias como GenAI estejam a ganhar destaque, os modelos tradicionais de analítica avançada permanecem pertinentes.
Considere-se, por exemplo, a área de subscrição de riscos complexos em seguros de saúde e seguros de vida. Aqui, a combinação de dados geográficos disponíveis com dados de players que monetizam os seus dados — como a informação de vendas de medicamentos por zona do país, ou padrões de pesquisa de doenças por parte dos clínicos, com a capacidade dos Large Language Models1 (LLM) em sintetizar vastos volumes de literatura médica, dados de ensaios clínicos e tendências de saúde pública — permitem às seguradoras oferecer coberturas mais personalizadas e precisas, mesmo para grupos tradicionalmente considerados de alto risco, onde novas correlações são encontradas, permitindo maior rigor nos processos de subscrição.
Esta evolução não resulta apenas de melhorar a precisão dos modelos existentes. Representa uma mudança fundamental na forma como as seguradoras entendem, preveem e respondem aos riscos. A possibilidade de utilizar dados não estruturados, permitiu que a barreira entre estes e os ditos estruturados viesse a desvanecer, abrindo novas possibilidades para inovação e personalização no setor de seguros.
Assim, começa a existir a possibilidade de encontrar modelos de subscrição baseados em correlações que até há muito pouco tempo não existiam, constituindo desta forma, um fator de vantagem competitiva para todos aqueles que consigam encontrar essas correlações e, com essa capacidade, consigam de forma mais exata fazer face a riscos mais complexos. Em suma, seguradoras mais preparadas, mais competitivas e mais inovadoras.
1Programa de computador que aprende a entender e a gerar textos a partir do treino com uma enorme quantidade de dados, tornando-se capaz de, mesmo sem instruções humanas explícitas, extrair informações dos dados, criar conexões e “aprender” sobre a linguagem. É como um cérebro virtual que aprende com a leitura e utiliza essa aprendizagem para conversar ou criar conteúdos.
O mercado está numa fase de experimentação e o mercado português não é exceção. Segundo o Deloitte State of Generative AI in the Enterprise, 78% dos líderes entrevistados (de 14 países entre eles, EUA, Canadá, Reino Unido, Suíça, Alemanha, França, Espanha, Itália, Países Baixos, Japão, Singapura, Brasil, México e Austrália) demonstram o elevado interesse nas capacidades da tecnologia. Além disso, no Fortune/Deloitte CEO Survey, 45% dos CEOs afirmaram, em 2024, já ter implementado soluções assentes nesta tecnologia, mais focadas em automação e eficiência, áreas de aposta também sentidas no mercado nacional.
No entanto, nesse mesmo estudo, as organizações mais avançadas apontam o coinvestimento contínuo como o principal fator de sucesso na escalabilidade da tecnologia, assente em três temas-chave: Data Management, Cybersecurity e Cloud, como se evidencia na comparação entre indústrias da figura infra.
O papel da governação de dados nunca foi tão crítico, dado que a complexidade, diversidade e dimensão dos dados para gerir nunca foi tão elevada. No panorama dos dados estruturados, as sucessivas operações de Mergers and Acquisitions (M&A) no mercado português criaram cenários com múltiplos sistemas legacy: as mesmas funções de negócio e conceitos heterogéneos, nem sempre conciliáveis, exigindo uma gestão rigorosa. A este universo de dados estruturados originados nos processos e sistemas da companhia, somam-se os dados originados na sua rede de distribuição — agentes, bancassurance e outros — e os dados capturados pelo contacto direto com o cliente nos canais digitais.
A este panorama, já de si complexo, somam-se outras dimensões como os serviços beyond insurance, onde, em muitos deles, a captura de dados de IoT é o meio para atingir o fim de potenciar o maior conhecimento do cliente e o aumento na capacidade de personalização de cada seguradora. Com o advento dos LLM os dados não estruturados — provenientes de contactos com o cliente (e-mails, chat, social media), passando por documentação de underwriting e de sinistros, até à documentação interna de processos e procedimentos de cada seguradora — assumem também um papel fundamental no panorama dos dados a serem geridos numa seguradora. Os próximos anos irão revelar uma aposta na captura, organização e gestão desta tipologia de dados. A sua interligação com as fontes de dados estruturados, serão a base que sustenta os planos de transformação do negócio que a GenAI aporta.
A implementação da IA no setor segurador apresenta vários desafios, entre os quais se destacam:
Dois anos volvidos sobre a disponibilização ao público do ChatGPT — que despertou e acelerou o interesse da sociedade para o potencial da IA—, a interseção entre seguros e esta tecnologia apresenta evidentes oportunidades, mas também desafios que urge endereçar. A integração bem-sucedida da IA, em particular de GenAI, nas seguradoras dependerá da eficiência da mudança cultural dentro das organizações, com foco na gestão de competências, conhecimento e preparação para a conformidade com as regulamentações existentes e emergentes. Será essencial encontrar o balanceamento correto entre a aposta e investimento em GenAI e o investimento inevitável e urgente, no contexto segurador português, num ecossistema tecnológico que permita dar escala a este tipo de soluções, indo da modernização dos sistemas core até à transformação das áreas de dados.
Saiba mais sobre estas e outras tendências no novo estudo 2025 Global Insurance Outlook. Assista ao resumo das principais tendências e insights para o setor segurador.
Notas finais:
1. Generative AI and the future of work. (n.d.). Deloitte United States. https://www2.deloitte.com/us/en/pages/consulting/articles/generative-ai-and-the-future-of-work.html [acedido em 15 nov. 2024]
2. Europeans are optimistic about generative AI but there is more to do to close the trust gap. (2024, November 22). Deloitte Insights. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/topics/digital-transformation/trust-in-generative-ai-in-europe.html [acedido em 15 nov. 2024]
3. Now decides next. Is Europe ready for generative AI? (n.d.). Deloitte Insights. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/topics/emerging-technologies/generative-ai-in-europe.html [acedido em 15 nov. 2024]
4. 2025 global insurance outlook: Evolving industry operating models to build the future of insurance. (2024, October 23). Deloitte Insights. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/industry/financial-services/financial-services-industry-outlooks/insurance-industry-outlook.html [acedido em 15 nov. 2024]
5. Gen AI investment opportunities center on data, cybersecurity, and cloud, Deloitte survey finds. (2024, May 31). Deloitte Insights. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/topics/emerging-technologies/ai-investment-opportunities-tech-ecosystem.html [acedido em 15 nov. 2024]
6. Navigating the tech talent shortage. (2024, September 27). Deloitte Insights. https://www2.deloitte.com/us/en/insights/topics/talent/overcoming-the-tech-talent-shortage-amid-transformation.html [acedido em 15 nov. 2024]
7. State of Generative AI in the enterprise 2024. (n.d.). Deloitte United States. https://www2.deloitte.com/us/en/pages/consulting/articles/state-of-generative-ai-in-enterprise.html [acedido em 15 nov. 2024]