Autor: Luís Bernardo, Senior Manager
O estabelecimento estável (EE) é uma ficção fiscal criada para operar como elemento de conexão legitimador de tributação numa jurisdição onde o agente económico beneficiário do rendimento não tem residência fiscal.
Apesar de andar de mãos dadas com o conceito de representação permanente, conforme definida no Código Comercial, não se confunde com ele e a decisão do TCAS (Processo 2639/16.3BELRS), de 9 de janeiro de 2025, é um bom exemplo desta autonomia.
Comecemos por dividir o conceito de EE em, essencialmente, duas figuras: o EE “real”, qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e o EE “pessoal”, onde uma pessoa, que não um agente independente, atue por conta de uma empresa e tenha, e habitualmente exerça, poderes de intermediação e de conclusão de contratos que vinculem a empresa. Há mais, mas para o que nos traz aqui, esta distinção é suficiente.
Este conceito também existe para efeitos do IVA, ainda que não se encontre definido no respetivo Código. No entanto, o mesmo está previsto no Regulamento de Execução (EU) n.º 282/2011 do Conselho, de março de 2011, o qual constitui um instrumento de aplicação direta e obrigatória em todos os Estados-membros. Novamente, realidade próxima do conceito de EE para efeitos de imposto sobre o rendimento, mas onde não se confundem (correção - não devem ser confundidos!) os conceitos.
Tendo um profundo impacto em termos de limitação de soberania fiscal, não são raros os casos europeus onde autoridades fiscais e tribunais se pronunciaram sobre como deve ser preenchido o conceito à luz da Convenção Modelo da OCDE (CMOCDE), legislação doméstica dos Estados ou Convenções para evitar a Dupla Tributação em vigor entre o Estado da residência e o Estado da fonte do rendimento.
Destacamos os casos Zimmer (França e Reino Unido), Dell (Noruega e Irlanda) e o caso Roche (Espanha e Suíça). Em todos estes casos foi discutido o conceito de EE para efeitos de imposto sobre o rendimento na vertente de EE “pessoal”.
Nos dois primeiros casos, estavam subjacentes contratos de comissionista e o tema basilar centrou-se no grau de vinculação necessário para preencher o conceito de EE “Pessoal”: seria necessária uma vinculação legal ou bastaria uma vinculação de facto (functional approach vs. legal approach)? As respetivas autoridades fiscais (França e Noruega) e os tribunais de primeira instância concluíram que existiam estabelecimentos estáveis pois, de uma perspetiva económica (de facto), a atuação da sociedade francesa / norueguesa vinculava a sociedade inglesa / irlandesa (apesar do enquadramento legal oposto).
Contudo, os tribunais superiores pronunciaram-se pela inexistência de estabelecimentos estáveis pois, defendendo que a abordagem devia ser puramente legal, socorreram-se das características do “standard commissionaire arrangement” e não da situação de facto (i.e., a dependência de uma entidade em relação à outra não foi considerada relevante). Os comentários da CMOCDE não foram suficientes para afastar os tribunais desta abordagem literal / civilista.
No caso Roche, a conclusão foi distinta. O facto de a sociedade espanhola (entidade distribuidora) não ter capacidade de celebrar ou negociar contratos em nome da sociedade suíça (comitente) não impediu que a sociedade fosse considerada um “agency PE”, tendo sido adotada uma abordagem económica, de substância sobre a forma.
Em Portugal, as autoridades fiscais têm seguido uma posição consentânea com aquela defendida pelas autoridades fiscais espanholas, nomeadamente no citado caso Roche (veja-se a posição validada pelo CAAD, no Processo arbitral 01/2013-T, e agora, mais recentemente, pelo TCAS, no Processo 2639/16.3BELRS), onde a expressão “em nome” é interpretada de uma forma lata, cobrindo todos os casos em que a empresa está vinculada pelo contrato concluído pelo agente (incluindo as situações em que não tenha sido formalmente concluído em nome dela).
Esta posição está em linha com o defendido pela OCDE e vertido nas propostas de alteração / comentários da CMOCDE:
“Also, the phrase “authority to conclude contracts in the name of the enterprise” does not confine the application of the paragraph to an agent who enters into contracts literally in the name of the enterprise; the paragraph applies equally to an agent who concludes contracts which are binding on the enterprise even if those contracts are not actually in the name of the enterprise.”
Não sendo a proibição de interpretação extensiva, no caso de normas de incidência fiscal, consensual, não deixa de merecer reparo a necessidade de o legislador intervir e clarificar o que pretende abranger neste conceito. Trata-se de uma norma com a natureza de norma de incidência fiscal, pelo que qualquer incerteza deve ser combatida, mais ainda quando pode impactar o investimento estrangeiro em Portugal.
Relativamente à segunda etapa na análise do risco de EE, o apuramento do lucro tributável, as autoridades fiscais (e o tribunal), no recente caso decidido no TCAS, ignoraram um dos princípios, se não mesmo o basilar, da relação entre EE e sede.
Vejamos o número 2 do artigo 55.º do CIRC: “Podem ser deduzidos como gastos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que sejam imputáveis ao estabelecimento estável, nos termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações, devendo esses critérios ser uniformemente seguidos nos vários períodos de tributação”. (nosso sublinhado).
Ora, que entidade cederia ativos e abdicaria da totalidade do seu lucro a uma outra entidade? Foi este o exercício feito pela autoridade fiscal e que o Tribunal aceitou. Foi um caso de apropriação de ativos, funções e pessoas sem a justa remuneração da casa mãe/sede.
Naturalmente, não basta partilhar custos. Nenhuma parte independente abdica de ativos a custo, quando poderia obter uma remuneração superior.
Outro ponto que merece reflexão: Para o Tribunal, as regras de preços de transferência têm meramente carácter de normas anti-abuso, que não devem ser chamadas à colação para determinar lucro tributável quando “(…) a AT não constata elementos suscetíveis de pôr fundadamente em causa a credibilidade presuntiva dos valores declarados e escriturados que serviram de referência à quantificação do lucro tributável do estabelecimento estável”.
Caveat Venditor (especialmente se for “um bom partido” …)! O casamento com Portugal é em regime de comunhão geral de bens.