Autoras: Sofia Sequeira Nunes, Senior Manager e Marta Lopes Fidalgo Senior Consultant
O ano de 2025 marca o início da aplicação do Country-by-Country Reporting (“CbCR”) público para os grupos que iniciaram o exercício fiscal em ou após 22 de junho de 2024. Para grupos com ano fiscal igual ao ano civil, o CbCR público da UE será aplicado pela primeira vez a partir de 1 de janeiro de 2025.
A partir do corrente ano, a transparência fiscal ganha um novo impulso. Os grupos de empresas multinacionais com rédito consolidado superior a 750 milhões de euros terão de divulgar publicamente (no seu website institucional) informações detalhadas sobre o imposto sobre o rendimento em cada jurisdição onde operam.
Pelo impacto reputacional aliado ao compliance fiscal que a obrigação pode trazer aos grupos com operações na União Europeia (“UE”) em determinados setores de atividade tipicamente escrutinados pela opinião pública, entendemos ser relevante percorrer algumas considerações.
A medida, introduzida em dezembro de 2021 pela União Europeia (“UE”) ao abrigo da Diretiva 2021/2101, foi transposta para o ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei n.º 73/2023, de 23 de agosto, estabelecendo as regras sobre a divulgação pública do relatório CbCR com as informações relativas ao imposto sobre o rendimento reconhecido e pago (“relatório”), discriminado por cada jurisdição ou Estado-Membro, independentemente da localização da empresa-mãe final do grupo multinacional.
Alguns Estados-Membros como a Roménia já viveram a primeira data de divulgação no passado mês de dezembro de 2024, no caso de subsidiárias romenas de grupos com entidade--mãe final sedeada fora da UE.
Conhecido como relatório CbCR público, surge como uma das obrigações dentro do paradigma ESG (Environmental, Social and Governance) ao alinhar- se com os princípios de responsabilidade e sustentabilidade.
A obrigação de divulgação pode recair na entidade-mãe final, se sedeada na UE, ou nas subsidiárias consideradas grandes ou médias ou nas sucursais (em função do cumprimento de dois de três critérios financeiros[1]), se a entidade-mãe final estiver sedeada fora da UE.
Na impossibilidade de aceder a informação da empresa mãe-final, as subsidiárias / sucursais devem entregar uma declaração sobre a não disponibilização de informação.
Existem isenções de aplicação aos grupos no setor bancário, uma vez que estes já se encontram sujeitos aos requisitos de divulgação de imposto sobre o rendimento reconhecido e pago, aos grupos com presença exclusiva em Portugal (empresa-mãe final, subsidiárias e sucursais) e aos grupos cuja empresa-mãe final ou as suas subsidiárias divulguem um relatório ao abrigo dos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento (que inclua informações sobre todas as atividades de todas as empresas subsidiárias incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas).
O conjunto de dados de CbCR público deve ser disponibilizado no website, de livre acesso ao público, das empresas declarantes, após 12 meses do exercício em causa e por um período mínimo de cinco anos, na mesma língua em que são apresentadas as demonstrações financeiras e em, pelo menos, uma das línguas oficiais da UE, por exemplo português ou inglês, devendo seguir um modelo comum e mediante um formato de dados abertos. Encontra-se já publicado pela UE o modelo comum e o formato eletrónico legível por máquina.
A legislação portuguesa estabelece o seguinte conteúdo a ser divulgado no CbCR público:
Por comparação com o atual CBCR (submetido às autoridades fiscais), existem diferenças ao nível de abrangência e conteúdo. No caso do CBCR público, a abrangência consiste nos Estados-Membros da UE e nas subsidiárias / sucursais sedeadas em jurisdições não cooperantes com UE para efeitos fiscais. Com efeito, a obrigação de reporte jurisdicional prevê a separação no reporte por jurisdição UE e jurisdição não cooperante, sendo o reporte efetuado de forma agregada para as demais jurisdições onde o grupo está presente.
A legislação portuguesa acompanhou a “safeguard clause” estabelecida pela Diretiva em que o conteúdo acima previsto pode ser em parte omitido (por um período máximo de cinco anos) se a sua divulgação puder prejudicar gravemente a posição comercial das empresas, mediante explicações devidamente fundamentadas a fornecer no relatório. Esta salvaguarda não é, porém, aplicável à informação a divulgar referente às jurisdições não cooperantes com a UE.
Apesar de a Diretiva estabelecer uma “website exemption clause” que permite que os Estados--Membros isentem a publicação do relatório no respetivo website caso o acesso ao respetivo registo público seja gratuito, Portugal não adotou esta isenção.
Importa, salientar, que, aos grupos com entidade-mãe final não sedeada na UE, será possível selecionar o Estado-Membro onde será cumprida a obrigação de divulgar o CbCR público, existindo já alguns EM que se posicionam como vantajosos para dar cumprimento à obrigação dentro da UE, nomeadamente, com base em permissões legislativas (locais) de i) opção de conversão entre o atual formato XML do CBCR (não público) e o novo formato CBCR público e ii) isenção de registo comercial nos demais Estados-Membros onde o grupo está presente.
Apesar das aparentes facilidades de alguns Estados-Membros, poderá ainda ser obrigatória a divulgação local pela legislação doméstica nessa mesma jurisdição, pelo que os grupos deverão atender à implementação da Lei nos vários Estados-Membros.
Em termos de responsabilidade pela elaboração, publicação e acessibilidade do relatório CbCR público, cabe igualmente aos membros dos órgãos de administração, direção, gerência e fiscalização das empresas (enquanto responsabilidade coletiva) garantir a conformidade com os requisitos legais. Adicionalmente, os revisores oficiais de contas devem certificar/ declarar se a empresa está obrigada e, bem assim, se o relatório foi publicado em conformidade com as exigências de divulgação.
A não conformidade com esta obrigação pode resultar em penalidades entre 1.500 euros e 30.000 euros, afetando, tanto a empresa e os seus órgãos de administração, bem como os auditores responsáveis, o que reforça a importância da transparência e da responsabilidade corporativa, aumentando o escrutínio público e governamental sobre as práticas fiscais dos grupos de empresas multinacionais.
[1] i) Total do balanço superior a 20 000 000 euros, b) Volume de negócios líquido superior a 40 000 000 euros e c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício superior a 250 (no caso de sucursais, o limite é verificado se o volume de negócios exceder 8 000 000 euros)