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Uma nova oportunidade na contestação de contribuições financeiras?

Artigo TaxLab

Autora: Raquel Montes Fernandes, Associada Principal

No início da década passada, no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, o Governo português comprometeu-se a adotar medidas para eliminar o défice tarifário e assegurar a sustentabilidade do sistema elétrico nacional (“SEN”). Entre outras medidas, a Lei do Orçamento do Estado para 2014 aprovou um tributo especial sobre o setor energético cujas receitas se destinariam, na parte que excedesse cem milhões de euros, à redução da dívida tarifária do setor elétrico.

A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (“CESE”) foi, então, criada com o objetivo de financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo [à data, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (“FSSSE”)], que visava contribuir (i) para a redução da dívida tarifária e (ii) para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético.

Recorde-se que um tributo tem a natureza de contribuição financeira quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos (que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas), e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo.

São sujeitos da CESE os operadores económicos do setor energético, vários dos quais têm ativamente contestado, desde 2014, a legalidade e a constitucionalidade desta contribuição financeira. Não obstante, tais argumentos não foram, durante anos, acolhidos pelos tribunais.

Em 2023, o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre algumas normas do regime jurídico da CESE, após alterações legislativas produzidas a este regime (por exemplo, para alargamento da sua base de incidência) e ao regime jurídico do FSSSE. A este propósito, importa recordar que a partir de 2019 – quando já se assistia a uma tendência de redução da dívida tarifária do SEN – alterações ao regime jurídico do FSSSE promoveram a adoção de novos critérios de alocação de verbas (com impacto na distribuição da receita obtida com a cobrança da CESE), verificando-se, então, que o objetivo de financiamento de medidas de regulação, de apoio às empresas e de cariz social e ambiental, relacionadas com a eficiência energética, deixou de corresponder ao destino legal das receitas da CESE.

Tais alterações provocaram, no entender do Tribunal Constitucional, uma mudança profunda nos pressupostos de facto e de direito em que repousaram as decisões sobre a CESE por si proferidas até esse momento.

De acordo com este Tribunal, a CESE, na sua configuração inicial, destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética, que vão ao encontro dos compromissos assumidos, a nível internacional, pelo Governo português nesta matéria. No entanto, a partir de 2018, o facto de, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinar à redução da dívida tarifária do setor elétrico, obsta a que se verifique a existência do necessário nexo entre essas prestações e determinados grupos de sujeitos passivos do setor energético.

No entendimento do Tribunal Constitucional, a inexistência de nexo entre as prestações da CESE e alguns grupos de sujeitos da mesma determina a conclusão de que determinadas normas do regime jurídico da CESE são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Para determinados sujeitos, a CESE, em virtude das alterações legislativas entretanto promovidas, perdeu a sua natureza de contribuição especial e passou a constituir um verdadeiro imposto, sem observância do princípio da capacidade contributiva (e, como tal, inconstitucional).

Que grupos de sujeitos podem, então, beneficiar deste novo entendimento jurisprudencial?

Até ao momento, as decisões de inconstitucionalidade de normas do regime jurídico da CESE versaram sobre sujeitos dos subsetores do gás natural e do petróleo bruto ou produtos de petróleo, bem como titulares de centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável. Neste sentido, os operadores que desenvolvam atividade nestas áreas devem reavaliar o seu enquadramento para efeitos da CESE e, sendo o caso, considerar a contestação das respetivas liquidações, presentes e passadas. Importa referir que as decisões adotadas até à data pelo Tribunal Constitucional não gozam de força obrigatória geral, pelo que as respetivas normas não foram (ainda) afastadas do regime jurídico da CESE.

A reavaliação do respetivo enquadramento para efeitos da CESE deverá ser efetuada também por sujeitos de outros subsetores energéticos, tendo em vista confirmar se poderão igualmente beneficiar deste entendimento do Tribunal Constitucional.

Uma última nota para recordar que existem outras contribuições especiais, aplicáveis noutros setores de atividade (por exemplo, no setor farmacêutico), cuja contestação poderá aproveitar, total ou parcialmente, esta corrente jurisprudencial.

É o início de uma nova era na análise de contribuições financeiras pelo Tribunal Constitucional, com potencial impacto para além dos sujeitos, e dos setores de atividade, até agora identificados.

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