Foi promulgado no dia 19 de novembro, o Decreto da Assembleia da República que procede à segunda alteração à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que aprova medidas especiais de contratação pública para projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus.
As principais alterações são:
✓ Aprovação de um regime de fiscalização prévia especial pelo Tribunal de Contas;
✓ Aprovação de um regime excecional aplicável às ações administrativas urgentes de contencioso pré contratual;
✓ Aprovação de um regime de recurso à arbitragem.
Regime de Fiscalização Prévia Especial
Os atos e contratos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus estão sujeitos a fiscalização prévia especial pelo Tribunal de Contas, que se rege pela Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio, ambos na sua redação atual, em especial pelas normas aplicáveis à fiscalização prévia, com as especificidades previstas no presente diploma.
Quais são as novidades que este novo regime traz?
- Eficácia antes da decisão: Os atos e contratos passam a ter eficácia e podem produzir todos os seus efeitos antes da decisão final do Tribunal de Contas (ao contrário do regime geral de visto prévio, em que atos, contratos e demais instrumentos sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas cujo valor seja superior a €950 000 não podem produzir quaisquer efeitos antes do visto ou declaração de conformidade);
- Decisão em caso de conformidade: Se os atos/contratos estiverem conformes com a lei, o Tribunal de Contas emite uma decisão de procedência, podendo adicionar recomendações (designadamente quando verifique a existência de ilegalidade que altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro), sem que isso obste à execução do ato ou contrato em causa;
- Indícios de desconformidade: Quando há indícios de ilegalidade, o Tribunal remete o processo para fiscalização concomitante e possível apuramento de responsabilidades financeiras, nos termos gerais, sem suspender a execução do contrato (ao contrário do que se consagra para a generalidade dos procedimentos, em que este tipo de fiscalização implica a não execução do ato/contrato antes da emissão do visto);
- Improcedência em casos graves: em casos em que se verifique a preterição total de procedimento de formação do contrato ou a assunção de encargos sem cabimento em verba orçamental, o Tribunal emite decisão de improcedência, resultando na imediata cessação dos efeitos do ato ou contrato objeto da decisão;
- Direito de recurso: Das decisões do Tribunal de Contas cabe recurso, nos termos dos artigos 96.º e seguintes da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.
- Exceções: Atos e contratos que se encontrem, à partida, isentos de fiscalização prévia não estão abrangidos por este regime.
É importante salientar que este tipo de medidas de simplificação e aceleração de procedimentos administrativos não diminui a responsabilidade dos órgãos decisores das entidades adjudicantes. Passando os atos/contratos a produzir efeitos ainda antes da decisão final do Tribunal de Contas, torna-se mais relevante que as entidades adjudicantes assegurem o cumprimento rigoroso das obrigações legais, sob pena de comprometerem os projetos e de poderem vir a ser responsabilizadas financeiramente.
Regime Excecional da Ação Urgente de Contencioso Pré-Contratual
É criado um regime excecional, para a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundo europeus, com a seguinte tramitação:
- Suspensão automática: A impugnação deste tipo de atos, proposta no prazo de 10 dias úteis após notificação da adjudicação, suspende automaticamente os efeitos do ato impugnado;
- Pedido de levantamento da suspensão: Após os 10 dias úteis referidos supra, a entidade demandada pode solicitar ao Tribunal o levantamento provisório da suspensão, sem audição da parte contrária, juntando prova documental sumária.
- Levantamento provisório da suspensão: O Tribunal levantará, provisoriamente, o efeito suspensivo no prazo máximo de 48 horas, desde que estejam reunidos os seguintes requisitos cumulativos:
i. Decurso do prazo de 10 dias úteis desde a notificação da decisão de adjudicação;
ii. Risco de perda de financiamento em contratos relacionados a projetos europeus.
- Presunção de risco de perda de financiamento: O risco de perda de financiamento presume-se com a junção de documento comprovativo da decisão de financiamento do projeto no qual o contrato se integre.
- Contestação do levantamento: Se a suspensão for levantada, o autor tem 5 dias para, fundamentadamente, requerer a manutenção do efeito suspensivo, caso considere que os pressupostos acima indicados não se verificam.
- Ampliação de fundamentos: A entidade demandada, notificada do pedido de manutenção, tem 7 dias para ampliar os fundamentos do pedido de levantamento da suspensão, incluindo a ponderação dos interesses públicos e privados e os prejuízos de manter a suspensão.
- Resposta do autor: O autor tem 7 dias para responder ao pedido de levantamento da suspensão, após o que o juiz decide, no prazo máximo de 7 dias, após as diligências absolutamente indispensáveis.
- Decisão final sobre o efeito suspensivo: O efeito suspensivo é levantado, se os prejuízos de o manter forem superiores aos de levantá-lo, após ponderação de todos os interesses públicos e privados em questão.
De notar que, este tipo de regime já existe para a impugnação de um certo tipo de atos, consagrado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Assim, com a simplificação de procedimentos desta natureza, o legislador decidiu que seria benéfico aplicar esta tramitação, uma vez que o regime geral é bastante moroso e complexo para este tipo de casos, que pressupõem prazos bastante apertados.
Regime de Recurso à Arbitragem
- Os contratos de empreitadas de obras públicas, fornecimento de bens ou prestação de serviços financiados por fundos europeus podem ser submetidos a arbitragem, em caso de litígios que possam comprometer prazos contratuais ou levar à perda de fundos, independentemente de previsão contratual que estabeleça que eventuais litígios são dirimidos em tribunais administrativos.
- Nestes termos, qualquer parte pode propor a celebração de um compromisso arbitral e consequente modificação da cláusula contratual que defina o foro competente, devendo ser privilegiada a opção pela arbitragem por intermédio de um centro de arbitragem institucionalizada.
- Em caso de ação pendente em tribunal administrativo, as pretensões submetidas aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, admitindo-se apenas a redução do pedido.
Em conexão com estas medidas foi também aprovado, no passado dia 9 de setembro, o Decreto-Lei n.º 55/2024, que entrou em vigor a no dia 10 de setembro.
Este diploma procede a diversas alterações ao modelo de governação dos fundos europeus atribuídos a Portugal através do Plano Recuperação e Resiliência (PRR), com o intuito de dar seguimentos às propostas constantes do Plano de Ação.
Assim, as principais alterações são:
✓ Criação de redes de articulação funcional;
✓ Aumento da transparência das decisões de atribuição de fundos do PRR;
✓ Alterações pontuais de alinhamento com as propostas constantes do Plano de Ação para impulsionar a execução do PRR.
Criação de redes de articulação funcional
As redes de articulação funcional são coordenadas pelo presidente da estrutura de missão “Recuperar Portugal”, sendo elas:
- “Rede de articulação funcional – Reformas PRR”: esta rede integra representantes das áreas governativas responsáveis pela implementação de reformas com o objetivo de monitorizar a concretização dos respetivos marcos e metas, bem como promover a definição de procedimentos, práticas harmonizadas e partilha de informação relevante, bem como identificar riscos que possam pôr em causa o cumprimento dos marcos, metas, reformas e investimentos e apresentar soluções alternativas que mitiguem potenciais riscos identificados;
- “Rede de articulação funcional – Investimentos PRR”: integra os dirigentes máximos dos beneficiários diretos e intermediários, com o objetivo de monitorizar a implementação dos investimentos, seus marcos e metas, bem como promover a definição de procedimentos, orientações técnicas, práticas harmonizadas e partilha de boas práticas e informação relevante, conducentes ao cumprimento dos objetivos do PRR.
Aumento da transparência das decisões de atribuição de fundos do PRR
Neste sentido são ampliados os instrumentos de divulgação, promovendo:
- A divulgação do relatório de monitorização semanal do PRR elaborado pela estrutura de missão "Recuperar Portugal" (EMRP);
- A publicação, no prazo máximo de 10 dias úteis após a sua apreciação pela Comissão Interministerial, dos relatórios de monitorização semestrais e anuais do PRR;
- O envio direto pela EMRP da informação recolhida da base de dados do Sistema de Informação do PRR;
- a divulgação dos resultados do PRR no terreno, publicitando os conteúdos recolhidos em verificações no local efetuadas pela EMRP, junto dos beneficiários diretos e finais, demonstrando os impactos dos projetos PRR;
- o incremento dos instrumentos de divulgação regional e local dos apoios aos beneficiários diretos e finais dos projetos PRR, nomeadamente através dos jornais locais ou regionais e de âmbito nacional.
Alterações pontuais de alinhamento com as propostas constantes do Plano de Ação para impulsionar a execução do PRR
- A estrutura de missão ‘Recuperar Portugal’ passa a disponibilizar condições para a interoperabilidade entre o sistema de informação do PRR e os sistemas de informação dos beneficiários diretos e intermediários para o reporte dos dados;
- Os beneficiários diretos e intermediários passam a reportar a informação sobre a execução dos investimentos por via eletrónica, através de interoperabilidade entre os seus sistemas de informação e o sistema de informação do PRR.