No passado dia 7 de outubro de 2023, foi assinada a revisão do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade, tal como havia sido previsto aquando da celebração do mesmo, em 9 de outubro de 2022.
O objetivo de tal revisão foi, por um lado, proceder à avaliação da implementação do Acordo durante o primeiro ano de execução e, por outro, reforçar o pacote de medidas com novos compromissos, a acrescer aos já anteriormente assumidos pelas partes subscritoras.
As novas medidas propostas pelos subscritores do acordo – Governo e Parceiros Sociais – integram-se nas cinco categorias de medidas anteriormente previstas:
I. A valorização dos Salários;
II. Jovens: Atração e Fixação de Talento;
III. Trabalhadores: Rendimentos Não Salariais;
IV. Empresas: Fiscalidade e Financiamento;
V. Simplificação Administrativa e Custos de Contexto;
Assim, no âmbito do pacote de medidas previstas para a almejada Simplificação Administrativa e Custos de Contexto, prevê-se a criação de um Regime Extraordinário e Temporário para a migração de processos judiciais pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais para os Tribunais Arbitrais.
Na verdade, não se trata de uma medida totalmente estranha, uma vez que o Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, cuja aprovação teve como objetivo proceder à recuperação de pendências na jurisdição administrativa e tributária, previa também um regime semelhante, no seu artigo 11.º.
De acordo com a Revisão do Acordo, o que se pretende é a criação de um regime extraordinário e temporário de migração de processos de impugnação judicial em matéria tributária para os tribunais arbitrais, independentemente do valor, assegurando que nos processos de valor superior a 10M € haja possibilidade de recurso para os tribunais judiciais, mesmo quando não se verifique oposição de acórdãos.
Ora, apesar de os contornos de tal regime não serem ainda definitivos, a Proposta do Orçamento de Estado para 2024, apresentada no passado dia 10 de outubro pelo Governo, contém já uma previsão acerca daquele Regime Extraordinário.
Assim, de acordo com a proposta avançada pelo Governo, o regime estará em vigor até 31 de dezembro de 2024, sendo aplicável a processos que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2021 e que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários.
Contudo, importa frisar que os sujeitos passivos só poderão lançar mão de tal regime se as pretensões que pretendam submeter à apreciação dos tribunais arbitrais estiverem compreendidas no âmbito das suas competências, nos termos do disposto no artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.
Assim, poderá ser requerida a constituição de tribunal arbitral, para apreciação de um litígio pendente num tribunal tributário de primeira instância, desde que as pretensões em causa sejam (i) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta ou (ii) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
A Proposta do OE 2024 determina que o regime extraordinário de migração de processos estará em vigor até 31 de dezembro de 2024, sendo aplicável a processos que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2021
Note-se que, diversamente ao que havia sido previsto no anterior regime, instituído pelo Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, os processos acima referidos poderão migrar para os Tribunais Arbitrais, independentemente do valor da pretensão em causa. Tal circunstância, contende, desde logo, com as regras de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa, consagradas na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Nos termos da referida Portaria, a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira às decisões que venham a ser proferidas pelos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa está limitada a litígios de valor não superior a € 10.000.000,00, pelo que, a confirmar-se que o novo regime migratório funcionará independentemente do valor dos processos em causa, deverá naturalmente proceder-se à compatibilização da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com regime que venha a ser instituído.
Adicionalmente, e de acordo com a medida subscrita, pretende-se que seja assegurado o recurso para os tribunais judiciais nas causas de valor superior ao montante máximo de vinculação atualmente previsto, ou seja, em processos de valor superior a € 10.000.000,00.
Ora, por regra, as decisões arbitrais são irrecorríveis, excecionando-se os casos limite previstos no artigo 25.º do RJAT, que admite interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quando hajam sido suscitadas questões de inconstitucionalidade, ou para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Parece-nos, assim, que a razão subjacente a esta opção foi a de permitir um controlo adicional sobre decisões proferidas em processos que, até então, não podiam ser objeto de apreciação pelos tribunais arbitrais, nos termos do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Note-se que, para efeitos de recurso de decisões proferidas em processos de valor superior a 10M€, as decisões arbitrais serão equiparadas a sentenças proferidas por tribunais tributários de 1.ª instância, devendo, em cada caso concreto, ser avaliados os pressupostos gerais de recorribilidade, bem como as regras atinentes à determinação da competência do tribunal de recurso, tal como previstas no artigo 280.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Por fim, prevê-se que os processos que migrem para os tribunais arbitrais, ao abrigo do novo regime excecional, beneficiem da dispensa de pagamento de taxas de justiça, nos termos previstos pelo Decreto-Lei n.º 30/2023, de 5 de maio, sem prejuízo de continuar a ser devido o pagamento da taxa arbitral.