Autores: Catarina Guedes de Carvalho (Associada Principal) | Paulo Alexandre Loureiro (Partner – Business Process & Solutions) | Tomás Gonçalves da Costa (Associado Manager) | Liliana Vicente Cosme (Senior Manager – Business Process & Solutions)
O novo Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários: Dinamização do Mercado Secundário e Proteção do Devedor
O Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro, aprova em anexo o regime jurídico da cessão e gestão de créditos bancários (“RCGCB”), transpondo a Diretiva (UE) 2021/2167 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021, relativa aos gestores de créditos e aos adquirentes de créditos (“Diretiva (UE) 2021/2167”).
A Diretiva (UE) 2021/2167 estabelece um quadro harmonizado para o acesso e exercício da atividade de gestão de créditos não produtivos (“NPLs”), bem como um conjunto de requisitos específicos aplicáveis aos adquirentes de créditos, prosseguindo dois objetivos centrais:
O RCGCB aplica-se as cessões de créditos e de posições contratuais em contratos de crédito que tenham sido concedidos em Portugal por uma instituição das seguintes tipologias (“instituição”):
O RCGCB aplica-se, ainda, à atividade de gestão dos créditos acima referidos.
Os advogados e os solicitadores encontram-se excluídos do âmbito de aplicação do presente regime.
O RCGCB é também aplicável:
✓ Cessão de créditos
- As instituições podem ceder créditos ou posições contratuais constituídas em contratos de crédito a: (i) OIA de créditos; (ii) entidades com objeto específico de titularização; ou (iii) outros cessionários, tratando-se de contratos de crédito com prestações vencidas há mais de 90 dias ou classificados como de improvável cumprimento há pelo menos 12 meses, em que o devedor seja uma PME ou uma grande empresa.
- O cessionário (e, quando aplicável, as entidades habilitadas) fica sujeito, na mesma medida que a instituição cedente, à legislação aplicável ao direito de crédito ou contrato de crédito objeto da cessão, incluindo em matéria contratual, penal, de proteção dos consumidores e dos restantes devedores.
- Salvo exceções, as instituições com sede em Portugal prestam aos potenciais cessionários, de acordo com o modelo de dados estabelecido na regulamentação da UE, a informação necessária respeitante ao crédito e ao contrato de crédito e, caso aplicável, às garantias associadas, que lhes permita avaliar o valor dos créditos e a probabilidade de recuperação do respetivo valor.
- A instituição cedente (e, quando aplicável, as entidades habilitadas) envia semestralmente a informação devida ao Banco de Portugal (“BdP”).
- As instituições comunicam à Central de Responsabilidades de Crédito (“CRC”) do BdP, nos termos da lei e regulamentação aplicáveis, os créditos cedidos.
- Em momento prévio à cessão, o cessionário contrata uma entidade legalmente habilitada a exercer as atividades de gestão de créditos para efetuar, em sua representação, a gestão do objeto da cessão.
✓ Gestão de créditos
- Apenas podem exercer as atividades de gestão de créditos cedidos: (i) um gestor de créditos, com sede em Portugal, autorizado pelo BdP; (ii) uma pessoa coletiva autorizada no seu Estado-Membro de origem a atuar em Portugal como gestor de créditos; ou (iii) uma instituição.
- Os gestores de créditos a atuar em Portugal não podem receber e deter fundos dos devedores em Portugal.
- Verificação de requisitos de idoneidade e adequação dos membros dos órgãos de administração, bem como de governance e controlo interno, incluindo, designadamente: (i) procedimentos contabilísticos e de gestão de riscos que assegurem o respeito pelos direitos dos devedores; (ii) políticas adequadas no âmbito da proteção e tratamento leal e diligente dos devedores; e (iii) procedimentos adequados e eficazes a assegurar a análise e tratamento das reclamações apresentadas pelos devedores.
- Para com devedores e CRC, requisitos para subcontratação, obrigações de registo e conservação documental, e meios de reclamação e resolução alternativa de litígios
O BdP é a autoridade competente para supervisionar e fiscalizar o cumprimento das normas do RCGCB, e monitorizar as atividades dos cessionários e dos gestores de créditos.
Em caso de incumprimento das normas estabelecidas pelo RCGCB, são previstas contraordenações que podem resultar na aplicação de coimas. As contraordenações muito graves (ex: realização de atos ou o exercício de atividades de gestão de créditos sem a autorização) podem originar coimas até 1 milhão de euros e outras sanções.
Adicionalmente, o Decreto-Lei n.º 103/2025 aprova um novo regime da CRC, revogando o regime anterior e atualizando o âmbito da informação que deve ser reportada. As alterações incluem a caracterização das operações de crédito, a informação financeira, contabilística e de risco, bem como ajustamentos na comunicação de dados centralizados. Estas mudanças visam melhorar a transparência e eficácia na supervisão das responsabilidades de crédito.
O Decreto-Lei n.º 103/2025 entra em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, a 10 de dezembro de 2025. Em geral, aplica-se à cessão de créditos ou à posição contratual realizada após essa data. No entanto, há exceções, designadamente: (i) o princípio da neutralidade aplica-se a créditos cuja cessão inicial tenha ocorrido a partir de 30 de dezembro de 2023; e (ii) a utilização dos modelos de dados estabelecido na regulamentação da UE aplica-se a créditos concedidos a partir de 1 de julho de 2018 que se tornaram NPLs após 28 de dezembro de 2021.
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