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Portugal e a transformação do setor público

O futuro começa agora

Introdução

Portugal vive uma transformação significativa no setor público, com o objetivo de modernizar serviços e aumentar a eficiência operacional. O país tem ambições económicas e tecnológicas, procurando alinhar-se com as tendências globais, entre elas, a crescente adoção da inteligência artificial (IA).

O estudo Government Trends 2025 da Deloitte destaca as principais tendências com foco nas áreas de mudança e nas barreiras ainda presentes, fornecendo pistas valiosas para o caminho português. Descubra abaixo como cada tendência  se poderá  transformar numa oportunidade estratégica para Portugal.

A modernização dos serviços públicos em Portugal exige uma integração eficaz entre os canais digitais e físicos. O Governo tem vindo a implementar uma estratégia omnicanal, com um foco crescente no atendimento digital e remoto, garantindo, ainda assim, a continuidade da assistência presencial ou mediada para cidadãos em situação de exclusão digital. Prevê-se a criação de painéis de controlo público e pontos de contacto únicos (one-stop shops), com interfaces híbridas que promovem a interação entre os cidadãos e os serviços públicos. 

Entre os principais obstáculos encontram-se a falta de competências digitais e de IA nos serviços públicos, bem como a necessidade de reformar as carreiras e a gestão dos recursos humanos. A par disso, existem riscos relacionados com a cibersegurança, a proteção de dados e as exigências do AI Act europeu, que condicionam a adoção acelerada de novas tecnologias. 

Exemplos como o Simplex+ demonstram que é possível simplificar e digitalizar processos, embora persistam desafios relacionados com a infraestrutura e a resistência à mudança. Neste sentido, a “guerra à burocracia” é identificada como uma prioridade, mas a fragmentação organizacional e a insuficiente interoperabilidade entre sistemas continuam a obrigar os cidadãos e as empresas a submeter repetidamente os mesmos dados a serviços distintos.

Portugal começa a acompanhar a tendência global de utilização da IA no setor público, posicionando-a como pilar da transformação digital. Para além da automação e análise de dados, a IA generativa (GenAI) pode também apoiar na criação de conteúdos, traduções e scripts, melhorando a comunicação entre o Estado e o cidadão. Este novo potencial alarga o impacto da IA no setor para além das funções tradicionais de triagem ou verificação. Para acelerar a digitalização e equipar transversalmente a Administração Pública, encontram-se neste momento em preparação uma regulatory sandbox nacional e a revisão da Estratégia Nacional para a Inteligência Artificial.

Relativamente às àreas já com aplicações práticas, estas incluem a saúde (triagem inteligente, processamento automático de registos), a educação (recursos digitais personalizados), a administração fiscal (análise de risco e combate à fraude), a justiça (transcrição automática, anonimização por IA) e os serviços ao cidadão (chatbots e assistentes virtuais omnicanal). Embora menos visível, organismos locais já utilizam IA em microcontextos para gerir tráfego, energia ou resíduos, criando “laboratórios” de inovação que podem ser escalados nacionalmente.

Persistem, no entanto, desafios estruturais: enquadramento ético e regulatório, governação e partilha de dados insuficientes, carência de talento interno e necessidade de formação contínua, bem como riscos acrescidos de cibersegurança. Outro tema emergente é a soberania tecnológica. O Projeto Amália é um exemplo de desenvolvimento de modelos próprios de IA para uso do Estado, cidadãos e empresas, garantindo maior controlo, transparência e segurança dos dados públicos.


IA como fator transformador: benefícios e adoção responsável

A IA poderá concretizar benefícios concretos para o setor público português: maior eficiência operacional (validação automática de formulários, triagem e priorização de processos), melhor experiência do cidadão e empresas (*assistentes virtuais omnicanal, notificações proativas), decisões mais informadas (avaliação rigorosa de políticas, combate à fraude) e personalização de serviços públicos (educação adaptativa, saúde inteligente, apoio social direcionado). 

Pela sua visibilidade e impacto social, o setor público deve tornar-se a referência em regulação ética da IA, garantindo não só conformidade com o AI Act, mas igualmente com padrões de transparência e responsabilidade mais elevados.

Para garantir uma adoção responsável e centrada nos cidadãos e nas empresas, Portugal pode:

  • Estabelecer uma governança clara para a IA (Estratégia Nacional, códigos de conduta, regulatory sandboxes);
  • Exigir transparência e explicabilidade, com intervenção humana em decisões sensíveis;
  • Reforçar a proteção de dados e a cibersegurança;
  • Capacitar funcionários públicos e cidadãos, mantendo os canais presenciais para quem não tem possibilidade de aceder digitalmente;
  • Divulgar métricas públicas de impacto social e avaliar continuamente os efeitos das aplicações de IA.

A eficiência dos governos não está apenas na redução de custos, mas também no redesenho dos serviços para gerar mais valor. Para Portugal, isso implica reduzir burocracia, mapear processos e eliminar passos redundantes, utilizando um design centrado no cidadão e insights comportamentais.

A automação e a IA devem ser aplicadas a tarefas repetitivas, libertando recursos humanos para funções de maior valor acrescentado. É igualmente fundamental consolidar infraestruturas de TI e serviços partilhados (finanças, recursos humanos, compras) para ganhar escala e uniformizar padrões de segurança e interoperabilidade. Dashboards e métricas em tempo real permitem monitorizar tempos de resposta, custos unitários e níveis de satisfação, orientando decisões e correções rápidas.

A digitalização ‘by design’ (planeando serviços desde a raiz para serem digitais e omnicanal) oferece ganhos muito superiores face à simples informatização de processos. Estes avanços tecnológicos serão plenamente aproveitados com um forte investimento em reskilling e capacitação dos recursos humanos. A GenAI, por operar em linguagem natural, poderá ser um facilitador na rápida formação de novas competências digitais para quadros públicos.

O estudo Government Trends 2025 alerta ainda que a tecnologia só produz resultados sustentáveis se for acompanhada de uma reorganização institucional: criação de centros de competências transversais (dados, automação), consolidação de entidades e serviços de suporte, descentralização seletiva com padrões comuns e uma cultura de melhoria contínua. Sem esta mudança cultural, as reformas ficarão apenas ‘no papel’.

As políticas públicas a nível internacional têm um foco cada vez maior na qualidade de vida, sobretudo em áreas relacionadas com habitação acessível e mobilidade sustentável. Em Portugal, a habitação é também uma prioridade, com programas de apoio à compra para jovens, ampliação do alojamento e agilização de processos com tecnologias (incluindo IA para tempos de resposta). No campo da mobilidade, aposta-se na eletrificação, nas comunidades de energia e na eficiência energética dos edifícios.

Projetos como o Plano Água que Une e programas de apoio como o Porta 65 ilustram a aposta em soluções integradas. No entanto, a inclusão digital, nomeadamente a identidade digital, precisa de acelerar para acompanhar os objetivos traçados e garantir que todos beneficiem das novas políticas.

Cumprir prazos e orçamentos na entrega de infraestruturas é um desafio recorrente. Setores como transportes, saúde, energia e água apresentam avanços, mas há espaço para melhoria. A Deloitte sublinha que os governos mais eficazes combinam preparação técnica, boas práticas contratuais, tecnologia de gestão de projetos e transparência.

Entre as áreas com melhor desempenho destacam-se os projetos ligados à transição energética e à gestão hídrica, já com progressos no planeamento e execução. Para ir mais além, é essencial desburocratizar e digitalizar o licenciamento, modernizar a contratação pública com mecanismos de partilha de risco e avaliações pré-contratuais rigorosas, bem como criar painéis públicos de acompanhamento de projetos e auditorias independentes.

Portugal tem vantagens comparativas, como recursos renováveis e progressos no PNEC 2030, e políticas para acelerar as energias renováveis, autoconsumo e comunidades de energia. Mas garantir um sistema resiliente exige reformas institucionais, aceleração do licenciamento e investimento em redes inteligentes e armazenamento

Os desafios económicos passam pelo financiamento de larga escala, pela eliminação da dívida tarifária até 2030 e pela necessidade de assegurar equidade social (Plano Social de Clima). No plano tecnológico, destaca-se a integração de energias renováveis em larga escala, a digitalização do setor e a formação técnica dos profissionais.

Conclusão

Portugal está a dar passos firmes para modernizar o setor público e alinhar-se com as tendências globais. No entanto, o sucesso dependerá de uma integração equilibrada de tecnologia, reorganização institucional e políticas públicas centradas no cidadão. A IA e a digitalização são ferramentas poderosas, mas só trarão resultados duradouros se acompanhadas de transparência, ética e inclusão.

Notas finais

Government trends 2025  (n.d.). Deloitte United States. https://www.deloitte.com/us/en/insights/industry/government-public-sector-services/government-trends.html [ acedido em set. 2025]

Programa XXV Governo Constitucional (n.d.). República Portuguesa https://www.portugal.gov.pt/pt/gc25/governo/programa-do-governo [acedido em out. 2025]

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