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Governança inteligente: como modernização, eficiência e desburocratização transformam a gestão pública global

Com demandas públicas cada vez mais complexas, a eficiência na gestão governamental tornou-se um imperativo

*Por Edson Cedraz

Com demandas públicas cada vez mais complexas, escassez de recursos e a crescente expectativa por serviços ágeis e acessíveis, a eficiência na gestão governamental tornou-se um imperativo. Muitos governos já estão encontrando caminhos para melhorar a entrega de políticas públicas por meio de modernização digital, racionalização de recursos e redução da burocracia.

Esse movimento é um dos focos da nova edição do estudo “Government Trends 2025”, da Deloitte. O relatório mapeia tendências que vêm redefinindo a atuação do setor público, além de destacar casos emblemáticos de países que lideram essa transformação. Emerge das conclusões o entendimento de que, para governar bem, é preciso uma liderança orientada a resultados, inovação contínua e colaboração estratégica — inclusive com o setor privado. Mais do que adotar tecnologias, trata-se de redesenhar processos, mudar culturas organizacionais e colocar o cidadão no centro das decisões públicas.

A digitalização dos serviços públicos já ultrapassa a migração de processos e dados para plataformas online. Quem está à frente nessa agenda têm adotado uma abordagem centrada no usuário, que integra canais digitais e presenciais de forma fluida.

A simplificação regulatória é outro pilar dessa transformação. Iniciativas que combinam escuta ativa da população com o uso de tecnologias como inteligência artificial, automação e norm engineering — técnica que traduz textos legais e regulatórios em modelos práticos e executáveis — têm se mostrado altamente eficazes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o estado de Ohio automatizou tarefas administrativas em programas sociais por meio de bots e ferramentas digitais, economizando milhares de horas de trabalho. A iniciativa permitiu redistribuir recursos humanos para atividades mais estratégicas e reduzir gargalos no atendimento à população vulnerável — uma demonstração clara de como  a automação pode gerar impacto social.

A Estônia automatizou a concessão de benefícios familiares, eliminando a necessidade de solicitações manuais e ampliando a agilidade na entrega. A Austrália também tem se destacado, com seus eventos colaborativos conhecidos como sludge-a-thons – uma espécie de hackaton voltado a identificar e remover obstáculos burocráticos que dificultem o acesso da população a serviços públicos (os tais sludges: termo empregado na economia comportamental para designar esse tipo de entrave e que poderia ser traduzido livremente por “lodo”).

Com orçamentos cada vez mais restritos e demandas crescentes, a eficiência operacional tornou-se uma prioridade global. Tecnologias como agentes e gêmeos digitais vêm sendo utilizadas para otimizar processos e reduzir custos. Paralelamente, transformações estruturais têm sido implementadas: consolidação de data centers e parcerias público-privadas, por exemplo, são estratégias adotadas para racionalizar recursos e otimizar a gestão pública.

No Brasil, algumas iniciativas seguem essa direção. A plataforma gov.br unifica mais de 4.500 serviços digitais de governos federal, estaduais e municipais e já com mais de 150 milhões de usuários cadastrados. O Tesouro Nacional lançou, em 2020, em uma ferramenta que automatiza pagamentos públicos e reduz custos operacionais (1). A plataforma do governo federal, denominada PagTesouro (2), processou mais de 13 milhões de guias de pagamento no ano de 2024, com confirmação instantânea da transação para mais de 700 unidades arrecadadoras da administração pública, integrando serviços federais, estaduais e municipais. Este processo traz mais agilidade e reduz a burocracia em processos que vão desde a emissão de passaportes ao recolhimento de guias de pagamento alfandegárias.

Apesar dos progressos, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos para consolidar uma governança pública moderna. A baixa interoperabilidade entre sistemas, a resistência à mudança e a desigualdade no acesso digital entre regiões dificultam o avanço da transformação.

Um exemplo é a baixa adesão de municípios à Lei de Liberdade Econômica, criada em 2019 para facilitar o empreendedorismo. A Reforma Tributária, que começa a ser implantada a partir de 2026, deve simplificar e reduzir a complexidade do sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios. Para isso, exigirá um período de transição e preparação de empresas e governos.

Além das mudanças estruturais, as políticas de gestão da demanda, como programas de saúde preventiva e estímulo à empregabilidade, também ajudam a aliviar a pressão sobre os sistemas públicos nos médio e longo prazos.

Nesse campo, destaca-se o programa Sláintecare, uma ampla reforma do sistema de saúde da Irlanda. Com foco em atendimento comunitário e medicina preventiva, o modelo busca deslocar o eixo da saúde pública do tratamento hospitalar para os cuidados primários — com impacto direto na qualidade de vida da população e na redução de custos. Ao priorizar intervenções antecipadas e acompanhamento contínuo, o país conseguiu reduzir internações e ampliar o acesso a serviços de saúde.

O estudo reforça que os países mais bem-sucedidos na transformação da gestão pública compartilham uma mesma visão: escutam seus usuários, investem em infraestrutura digital robusta, adotam tecnologias emergentes com responsabilidade e promovem uma cultura de inovação contínua. Em um mundo cada vez mais conectado, a administração pública do futuro precisa ser digital, ágil e, acima de tudo, centrada nas pessoas.

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