Por Reinaldo Oliari, líder da frente ESG de Auditoria & Assurance da Deloitte, e Daniele Soares, gerente de Auditoria & Assurance da Deloitte e especialista em ESG
Embora a agenda climática exista há décadas, os temas relacionados à sustentabilidade e ao clima ganharam um grande protagonismo nos últimos anos. A procura por informações sólidas e comparáveis tornou-se um desafio latente para empresas, investidores e demais stakeholders.
Atualmente, as divulgações relacionadas à sustentabilidade são realizadas por meio de diferentes relatórios, sejam de sustentabilidade, integrado, anual ou de impacto. A divulgação das informações contidas neles tem sido estruturada por meio de uma multiplicidade de frameworks (por exemplo, GRI, SASB, TCFD etc.), o que limita a comparabilidade de dados e dá margem aos preparadores desses relatórios fornecerem informações mais favoráveis à imagem da empresa – além de possibilitar a omissão de informações relevantes para o processo de tomada de decisão e avaliação dos negócios, e que seriam capazes de indicar se são ou não sustentáveis no médio e longo prazo.
Com a evolução das leis e regulamentações, e a emissão de normas de divulgação, cresce a pressão sobre as empresas para que apresentem dados capazes de refletir com maior precisão os compromissos e as metas assumidas publicamente ao mercado, considerando o planejamento financeiro e estratégico dos negócios.
Pensando nesse contexto, a International Financial Reporting Standards (IFRS) Foundation anunciou, em novembro de 2021, a formação do International Sustainability Standards Board (ISSB) – conselho responsável por atender aos apelos do Conselho de Estabilidade Financeira do G201, G72 e International Organization of Securities Commissions (IOSCO) referente a necessidade em obter informações financeiras relacionadas à sustentabilidade e aos fatores climáticos de forma mais consistente, completa, comparável e verificável.
O ISSB tem como objetivo desenvolver normas que permitam o fornecimento, por parte das empresas, de informações de alta qualidade e, globalmente, comparáveis acerca dos riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade, considerando seus temas materiais, os impactos climáticos, a biodiversidade, os direitos humanos etc.
Para atingir sua finalidade, o ISSB publicou suas duas primeiras normas em 26 de junho de 2023: a IFRS S1 – direcionada ao tema de requisitos gerais para divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, e a IFRS S2 – com divulgações relacionadas ao clima. Ambas permitem que os investidores avaliem as empresas nos aspectos de sustentabilidade de seus negócios, efeitos dos impactos climáticos em suas operações e ativos, e conexão com as demonstrações financeiras.
É recomendável que a empresa conte com um comitê responsável por assessorar a alta Administração na identificação de estratégia, políticas, controles; nos procedimentos de coleta e divulgação das informações; e no monitoramento das metas e métricas estabelecidas – o Conselho de Administração tem um papel fundamental no estabelecimento de metas e compromissos de curto, médio e longo prazo. Além disso, é fundamental que a administração promova a integração do tema sob a perspectiva da tomada de decisão e da criação de valor, disseminando uma cultura positiva para que tais divulgações ao mercado sejam preparadas com seriedade e responsabilidade por toda a organização.
A IFRS S1 apresenta requerimentos gerais para a divulgação de riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade, que vão desde a saúde e a segurança de trabalho até a segurança dos dados.
Portanto, a empresa deve iniciar os trabalhos com a identificação dos temas materiais para o negócio. Isto permitirá que ela possa apresentar seu plano estratégico e financeiro em curto, médio e longo prazo para os investidores. Estes, por sua vez, compreendem que os impactos gerados pela empresa hoje, sejam referentes às pessoas e/ou ao meio ambiente, serão os impactos financeiros de amanhã e, por consequência, impactará no valor do seu investimento.
Similar ao Sustainability Accounting Standards Board (SASB), a IFRS S1 tem como conceito a materialidade financeira – a informação material é aquela que, se for omitida ou ocultada, poderá distorcer ou influenciar de forma razoável as decisões dos investidores e de outros participantes nos mercados de capitais. Portanto, como primeiro passo, a norma exige que as empresas considerem os tópicos de divulgação listados utilizando os critérios do SASB, como materiais para o seu setor específico, caso já tenham sido identificados.
Esse momento é uma ótima oportunidade para as organizações reavaliarem seus temas materiais, identificando a necessidade de ajustar as considerações realizadas anteriormente ou, até mesmo, adicionar aspectos antes não identificados.
A IFRS S1 considera que as questões de sustentabilidade são individuais para cada empresa, mesmo estando dentro do mesmo setor, portanto, na ausência de um tópico de divulgação relevante do SASB, as empresas devem divulgar outras informações que sejam úteis para a decisão dos investidores e que representem fielmente os riscos ou as oportunidades relacionadas à sustentabilidade.
A estrutura da IFRS S1 tem como base os quatro pilares do TCFD: Governança, Estratégia, Gestão de Risco e Métricas e Metas.
Logo, após a identificação dos temas materiais, será necessário discuti-los estrategicamente com referência aos quatro pilares citados, e não apenas às alterações climáticas. Para evitar duplicidades desnecessárias, recomenda-se a realização de seções consolidadas de governança e de gestão de riscos que abordem todos os tópicos materiais.
A estrutura da IFRS S2 possui os mesmos pilares que a IFRS S1: Governança, Estratégia, Gestão de Risco e Métricas e Metas. Nesse contexto, é recomendável que a empresa faça uma avaliação e adote uma divulgação única e que apresente as informações de governança e gestão de riscos de forma integrada, evitando informações duplicadas. Confira a seguir sobre os aspectos que diferem da estrutura central da IFRS S1 em relação à IFRS S2.
Em junho de 2022, foi criado o Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), estabelecido pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) por meio da Resolução CFC nº 1.670. Entre os integrantes do CBPS, estão o Conselho Federal de Contabilidade (CFC); a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca); o Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon); a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec); a Brasil, Bolsa, Balcão (B3); a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi); além de mais uma representação formada por investidores. Seu principal objetivo é discutir e preparar a emissão de documentos técnicos sobre os padrões de divulgação relacionados à sustentabilidade e aos temas de ESG, tendo como base os documentos e orientações emitidas pelo ISSB.
Em 20 de outubro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Resolução 193 com base no padrão internacional emitido pelo ISSB – e o Brasil é o primeiro país do mundo a adotar as normas de sustentabilidade emitidas pelo ISSB. Essa resolução prevê que as empresas públicas, os fundos de investimento e as securitizadoras devem elaborar e divulgar o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional (por exemplo, IFRS S1 e S2).
As organizações poderão adotar a divulgação em caráter voluntário a partir de janeiro de 2024 – e para aquelas que optarem por essa adoção voluntária, poderão utilizar as flexibilizações (reliefs), como por exemplo, a não apresentação de informação comparativa no primeiro ano de adoção, a qual é exigida a partir do segundo exercício social de adoção das normas.
Além disso, será permitido, em caráter extraordinário, a divulgação do relatório na mesma data de entrega do Formulário de Referência. Entretanto, a partir do segundo exercício social de adoção obrigatória, a empresa deverá divulgar no mesmo período das Demonstrações Financeiras, ou seja, em até 90 dias após o encerramento do exercício social da empresa. Adicionalmente, a Resolução 193 da CVM requer que o relatório de informações financeiras de sustentabilidade, em um primeiro momento, seja objeto de asseguração limitada (até dezembro de 2025).
A partir de janeiro de 2026, com a obrigatoriedade da divulgação para as empresas abertas, o relatório de informações financeiras de sustentabilidade de acordo com as IFRS S1 e S2 deverá ser objeto de asseguração razoável por auditor externo.
A principal diferença entre a asseguração limitada e a razoável está relacionada ao nível de entendimento e testes nos controles que serão realizados pelo auditor externo nas informações apresentadas no relatório. Na asseguração limitada, o auditor entende os processos e controles, e realiza testes relacionados à completude, rastreabilidade e qualidades das informações apresentadas no relatório de sustentabilidade. Ao migrar para uma asseguração razoável, o auditor externo avalia o desenho e a implementação dos controles internos sobre o processo de preparação do relatório de sustentabilidade e os indicadores de metas e métricas divulgados no relatório, além de testar se esses controles internos operam efetivamente.
Até o momento, a maioria das informações apresentadas nos relatórios de sustentabilidade das empresas não contavam com processos e controles bem desenhados. Por isso, é fundamental que as empresas realizem uma avaliação preliminar de seus processos vigentes e implementem (ou ajustem) seus controles, preparando-se para uma auditoria das informações divulgadas, relacionadas às normas IFRS S1 e IFRS S2.
1 O G20 ou Grupo dos 20 é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia.
2 O Grupo dos Sete (G7) é o grupo dos países mais industrializados do mundo, composto por: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, embora a União Europeia também estejarepresentada.
3 Andrew Winston, “The Business Case for Sustainability,” Harvard Business Review Whiteboard Session, 13 September 2017
4 Science Based Targets initiative (SBTi) – meta de redução para metade das emissões de gases efeito estufa até 2030 e atingir o nível zero até 2050 para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. fonte: https://sciencebasedtargets.org/resources/files/Business-Ambition-for-1.5-Brochure.pdf