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Impactos da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências deixam empresários e comunidade jurídica mais otimistas sobre insolvências, aponta pesquisa da Deloitte

  • Mais da metade (57%) das empresas em recuperação judicial consultadas e 38% dos membros da comunidade jurídica veem a possibilidade de financiamento do devedor durante a recuperação judicial como uma das mudanças mais significativas trazidas pelas alterações na Lei n° 14.112/2020;
  • Organizações que passam ou passaram por recuperação judicial, esperam para 2023 maior acesso a novos financiamentos (73%) e facilitação no desconto e parcelamento de dívidas (20%);
  • Para este ano, foram indicados como desafios às organizações que passam por recuperação judicial a obtenção de receitas e o aumento das margens de lucro (47%), bem como o gerenciamento do fluxo de caixa (87%); 
  • Expectativas de crescimento no número de pedidos de recuperação judicial e falência durante a pandemia da Covid-19 não se confirmaram; até o 1º semestre de 2023, os números já superam os do mesmo período do ano passado.

A percepção de empresários, advogados de devedores e de credores e de juízes brasileiros sobre os processos de insolvência empresarial é mais positiva do que antes, revela a segunda edição da pesquisa “Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência: as principais alterações e os desafios de adaptação da Lei n° 14.112/2020 ao cenário brasileiro”, elaborada pela Deloitte, organização com o portfólio de serviços profissionais mais diversificado do mundo, que tem o intuito de analisar a implementação da Lei n° 14.112/2020 e seus impactos nas situações de insolvência empresarial. Na edição do ano passado, a percepção era de que esses estavam associados à cultura da desconfiança, o que pode influenciar negativamente na adequada utilização dos processos de recuperação e falência. 

Embora essa impressão ainda exista, na nova edição da pesquisa é possível notar uma visão mais otimista. Contribuíram para essa percepção, além das alterações implementadas pela Lei n° 11.101/2005 e pela Lei n° 14.112/2020, que trouxeram novas estruturas, capazes de apoiar a desmistificação quanto aos processos de recuperação judicial, extrajudicial e de falência, as recentes recuperações judiciais de grandes empresas, em diferentes áreas, que chamaram a atenção da população, ampliando o entendimento sobre os institutos que atuam sobre a insolvência no Brasil. 

“A ideia da pesquisa desenvolvida pelo nosso time da Deloitte é trazer uma reflexão sobre a evolução das alterações legislativas, bem como revelar um cenário completo das principais preocupações quando se está em meio a uma crise, sinalizar a visão do mercado e quais as respostas dadas pela legislação e pelo Judiciário brasileiro. Trata-se de uma pesquisa cuja principal intenção é apresentar tendências e gerar insights enriquecedores sobre o assunto. Os resultados da pesquisa enfatizam o otimismo renovado no cenário de insolvência empresarial no Brasil. As expectativas positivas em relação às mudanças na Lei n° 14.112/2020 são impulsionadas não apenas por certas melhorias percebidas nas condições econômicas, mas também pela compreensão aprimorada dos instrumentos disponíveis”, destaca Ana Beatriz Moroni, sócia-líder da área de Turnaround and Restructuring da Deloitte.

As expectativas de um crescimento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial e falência por parte das empresas no Brasil durante o período de pandemia da Covid-19 não se confirmaram, principalmente devido às medidas econômicas de apoio à manutenção das atividades empresariais e ao baixo nível das taxas de juros vigentes nos anos de 2020 e 2021. O relatório aponta que, a partir de 2022, com o decurso dos prazos das renegociações havidas nos últimos dois anos, a alta alavancagem e o aumento das taxas de juros no mercado, os pedidos de falência e de recuperação aumentaram em relação aos dois anos anteriores – e, até o primeiro semestre de 2023, os números já superam os do mesmo período do ano passado: dados da Serasa Experian levantados para a pesquisa indicam que tanto as falências quanto as recuperações judiciais requeridas, de janeiro a junho de 2023, superaram os números dos mesmos meses de 2022, em 52,1% e 36,2%, respectivamente.

“Nossa pesquisa revela uma mudança notável nas percepções em relação às alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falências. A possibilidade de financiamento do devedor durante a recuperação judicial, destacada por grande parte dos entrevistados, é uma das mudanças mais significativas. Isso não apenas representa uma oportunidade para as organizações controlarem o nível de endividamento, mas também evidencia a intenção do legislador em formatar um ambiente de maior confiança jurídica no âmbito do  processo de recuperação judicial”, ressalta Daniella Piha, sócia da área de Turnaround and Restructuring da Deloitte.

Possibilidade de financiamento do devedor durante a RJ é uma das alterações mais significativas da Lei

Os entrevistados da etapa qualitativa da pesquisa (checar metodologia completa ao final deste texto) apresentaram ponderações sobre as alterações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, inclusive sobre a percepção mais otimista do mercado sobre os processos de recuperação e falência. Nos anos de 2021 e 2022, os principais desafios para as empresas em processo de recuperação judicial foram a gestão do fluxo de caixa e a obtenção de novos recursos, ambos apontados por 87% das respondentes. Já o controle do nível de endividamento foi indicado por 67% delas como o principal entrave a ser superado pelas organizações para valorizar seus ativos nos próximos dois anos.

Nesse cenário, mais da metade (57%) das empresas em recuperação judicial consultadas e 38% dos membros da comunidade jurídica veem a possibilidade de financiamento do devedor durante a recuperação judicial como uma das mudanças mais significativas trazidas pelas alterações na Lei n° 14.112/2020. Isso porque este instrumento tem o potencial de auxiliar as organizações a controlar o nível de endividamento, valorizar seus ativos e recuperar suas operações.

Com isso, as expectativas das organizações respondentes que passam ou passaram por recuperação judicial, para 2023, são de maior acesso a novos financiamentos (73%) e facilitação no desconto e parcelamento de dívidas (20%), de forma que a alteração voltada ao método de financiamento de empresa em recuperação, como o Dip Financing – instituto que não foi criado pela Lei de 2020, mas, regulamentado, para dar mais segurança jurídica a quem empresta à empresa em recuperação judicial –, foi considerada uma das mais importantes. Neste sentido, a possibilidade de financiamento do devedor durante a recuperação judicial é considerada uma das mudanças mais importantes para empresários e membros da comunidade jurídica respondentes. Como no relatório de 2022, percepções sobre as alterações da Lei n° 14.112/2020, dos entrevistados da etapa qualitativa e dos respondentes da pesquisa quantitativa, no geral, são positivas. No entanto, como o aumento no número de pedidos tem ocorrido de forma mais intensa em 2023, a expectativa é de que os resultados práticos sejam melhor visualizados nos próximos anos.

Para 2023, foram indicados como desafios às organizações que passam por recuperação judicial a obtenção de receitas e o aumento das margens de lucro (para 47% das empresas respondentes), bem como o gerenciamento do fluxo de caixa (para 87% delas). Quanto aos próximos dois anos, o controle do nível de endividamento foi indicado por 67% das organizações em recuperação judicial como o principal desafio a ser superado para valorizar seus ativos.

A possibilidade de apresentação de plano alternativo no caso de decurso do stay period ou rejeição do plano de recuperação judicial, segundo os magistrados e advogados entrevistados, mudaram as forças no ambiente negocial. Refletindo essa opinião, 29% das empresas em recuperação judicial e 50% dos membros da comunidade jurídica disseram que a criação desta possibilidade é uma das principais alterações promovidas pela legislação. A percepção dos membros da comunidade jurídica é de que a mudança deve garantir mais celeridade ao processo de recuperação judicial, no entanto, muitas questões ainda precisam ser verificadas no âmbito prático, principalmente quanto à etapa de votação do plano de recuperação judicial e à estruturação da proposta, dada a complexidade do tema, o que, inclusive poderá limitar a utilização do recurso.

Entrevistados destacam mudança em quórum mínimo para aprovação de recuperação extrajudicial 

Das muitas alterações propostas pela Lei n° 14.112/2020, a mudança no quórum mínimo para a aprovação do plano de recuperação extrajudicial é citada como mais importante por 7% das empresas consultadas e por 8% dos membros da comunidade jurídica. Quase a totalidade dos advogados e juízes entrevistados nesta pesquisa afirmam que a redução no quórum é um fator positivo e garante mais agilidade ao processo de recuperação extrajudicial – o que pode impulsionar o uso deste instituto em 2023 e nos próximos anos. 7% das empresas em recuperação judicial consultadas pela Deloitte, e 8% dos membros da comunidade jurídica, apontaram a ampliação dos papéis do administrador judicial como uma das mais importantes alterações promovidas pela Lei. De modo geral, conforme já observado no relatório anterior, essa ampliação do escopo de trabalho do administrador é considerada um fator de aprimoramento e especialização das atividades, mas que não se configura como novidade aos profissionais mais experientes.

Empresas que já passaram por recuperação têm percepção positiva em relação ao processo falimentar

Quase metade (46%) das organizações que já passaram por recuperação judicial tem uma percepção positiva (boa ou ótima) quanto às mudanças promovidas pela Lei nº 14.112/2020 em relação ao processo falimentar. Em contrapartida, 33% das empresas respondentes ainda não têm opinião formada sobre o assunto. O instituto do fresh start, introduzido pela Lei n° 14.112/2020, criou a possibilidade de extinção das obrigações do devedor após o período de três anos da decretação da falência pelo juízo. Essa foi uma alteração de grande impacto, já que, nos termos do artigo 102 da Lei n° 11.101/05, o falido fica inabilitado de exercer qualquer atividade empresarial, da decretação à sentença que extingue suas obrigações. O tempo do processo torna essa inabilidade custosa ao empresário envolvido em processo falimentar, de modo que a possibilidade de um prazo reduzido foi muito bem recebida no âmbito empresarial.

Para os entrevistados, o instituto do fresh start criou uma resposta inicial para continuar estimulando a atividade econômica e uma forma de proteção ao empreendedor, principalmente o micro e pequeno empresário. Porém, a alteração ainda depende da venda dos ativos de forma célere, para liberar o devedor de suas obrigações. Alguns entrevistados ainda apontaram uma contradição entre o instituto e a natureza das empresas no Brasil. Segundo eles, no País, há poucas falências individuais, porque a maioria dos empreendimentos é registrada como pessoa jurídica. Por esse motivo, a impressão geral dos entrevistados é que, diferentemente de outros países, em que a experiência do processo falimentar é considerada uma etapa no amadurecimento do empreendedor, no Brasil, a possibilidade de descartar uma personalidade jurídica em detrimento de uma nova, sem nenhuma carga de identificação com o estigma negativo da falência, poderia tornar o fresh start irrelevante. De forma geral, a possibilidade de o processo falimentar ser mais célere é uma grande expectativa dos entrevistados, mas ainda há dúvidas se, na prática, isso irá acontecer. 

Exclusão do passivo fiscal do processo é ponto de maior atenção, opinam respondentes 

Na visão dos membros da comunidade jurídica entrevistados, algumas facetas da insolvência seguem sem solução, mesmo com as alterações promovidas. Para os respondentes, são questões que podem ameaçar a reorganização das empresas e levá-las à falência ou, se devidamente desenvolvidas, podem trazer possibilidades para solucionar uma crise. Citado como risco por diversos entrevistados, a exclusão do passivo fiscal do processo de recuperação judicial é o ponto mais criticado, que, segundo os magistrados e advogados, pode transformar uma situação de reestruturação de crédito bem-sucedida em falência. De acordo com os entrevistados, a tendência do empresário em situação de crise é, no geral, interromper o pagamento ao Fisco em primeiro lugar, por ser o credor menos agressivo. Isso espelha, até certo ponto, a perspectiva de 21% das empresas participantes da pesquisa quantitativa, de que o endividamento com impostos cresceu nos últimos dois anos, e deve continuar aumentando em 2023, na opinião de 27% delas.

O envolvimento ampliado do Fisco na recuperação judicial, após a reforma, tem impactos positivos, mas a possibilidade de requerer a falência do devedor durante o processo na hipótese de inadimplemento de eventual parcelamento fiscal vigente, sem efetiva participação no decorrer dele, segundo a maior parte dos entrevistados, é uma ameaça que ainda não tem uma resposta da jurisprudência. 

Consolidação substancial

De todas as questões levadas aos membros da comunidade jurídica, as voltadas à consolidação substancial, que também foi citada como tema emergente no relatório anterior, foram as que resultaram nas respostas mais díspares. Os advogados de devedores entendem que o instituto foi muito bem estruturado e que os conceitos estão corretos, se bem aplicados.

Os advogados de credores, por outro lado, teceram duras críticas à previsão. Para eles, o instituto cria insegurança, pois a fiança e a garantia, dadas por uma empresa devedora a um credor, podem desaparecer, caso seja reconhecida a consolidação substancial pelo magistrado. Apontam, também, que o instituto pode ser uma exceção tornada regra e uma forma de dar validade a atividades fraudulentas dos devedores. Os magistrados, por sua vez, têm pontos de vista diferentes. Para eles, também há um conflito lógico entre o agrupamento de algumas partes de um grupo econômico para fins de recuperação judicial e a busca por independência de outras, quando é conveniente aos interesses - de forma que, se os legisladores não derem solução a essas questões, caberá à jurisprudência instituir um entendimento que possa regrar estes casos específicos.

Metodologia e amostra 

Na etapa qualitativa da pesquisa, a Deloitte entrevistou magistrados e advogados de credores e devedores; na etapa quantitativa, consultou 26 membros da comunidade jurídica e 116 organizações, cujo perfil da amostra é composto por organizações com faturamento anual superior a R$ 50 milhões (53%), sediadas principalmente no estado de São Paulo (53%), que empregam mais de 100 funcionários (57%) e atuam no mercado há mais de 20 anos (61%). O período de coleta das informações ocorreu entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. As organizações têm atuação em: Serviços (34%), Bens de Consumo (20%), Agronegócios, Alimentos e Bebidas (12%), Infraestrutura (12%), Serviços Financeiros (9%), TI e Telecom (4%), Comércio (4%) e Mineração, Petróleo e Gás (3%). Quanto à situação financeira das empresas participantes, apesar do aumento da receita líquida para 75% delas entre 2021 e 2022, 66% tiveram elevação dos custos dos produtos vendidos, 68% altas nas despesas com vendas gerais e administrativas, e 62%, altas nas despesas financeiras. Com isso, houve significativo impacto nas margens de lucro. Também, nesse período, as empresas buscaram recursos, sendo 66% por meio do aumento, em volume, de seu patrimônio líquido, além de endividamentos de curto e longo prazos, com altas de 41% e 44%, respectivamente.

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