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Ajustes compensatórios nas regras de preços de transferência

Ajuste compensatório é a denominação indicada na nova legislação de preços de transferência para os ajustes na base de cálculo, efetuados pelas partes de uma transação controlada, antes do encerramento do ano-calendário. O propósito é alinhar o valor da transação, de tal forma que o resultado apresente similaridade àquele obtido caso os termos e condições comerciais refletissem os que seriam praticados entre partes independentes, respeitando o princípio Arm’s Length.

Introduzida pela Lei 14.596/23, a nova regra de preços de transferência alinha as normas brasileiras aos moldes e diretrizes estabelecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com aplicação efetiva para o ano-calendário 2024 – salvo para os que optaram pela antecipação para o ano de 2023 – os contribuintes passaram a avaliar as funções desempenhadas, os riscos assumidos e os ativos empregados para cada entidade envolvida na transação, com o objetivo de determinar a precificação adequada em qualquer relação comercial ou financeira entre partes relacionadas.

A avaliação das transações entre partes relacionadas é pautada pelo princípio Arm’s Length, segundo o qual os termos e condições de uma transação controlada devem refletir aqueles que seriam praticados entre partes não relacionadas em transações comparáveis. A confirmação da aplicação deste princípio considera a comparação entre as transações controladas e as transações comparáveis. Essa análise busca demonstrar que os preços, margens, taxas ou outros indicadores das transações controladas se alinham ou atendem aos intervalos de amostragem das transações independentes.

Caso a transação controlada apresente desalinhamento ao intervalo ou parâmetro de preços independentes, pode ocorrer a necessidade de ajuste às bases de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para o contribuinte brasileiro.

Os ajustes de preços de transferência podem ocorrer de três formas:

A)    ajuste espontâneo: aquele efetuado pelo contribuinte brasileiro diretamente na base de cálculo do IRPJ e CSLL, almejando adicionar o ajuste de preços de transferência apenas para efeito fiscal;

B)    ajuste compensatório: aquele efetuado por ambas as partes de uma transação controlada, desde que realizada até o encerramento do ano-calendário em que for incorrida a transação, almejando considerar o valor de forma que os resultados obtidos pelas partes sejam equivalentes aos que seriam obtidos caso o princípio Arm’s Length tivesse sido aplicado;

C)     ajuste primário: efetuado pela autoridade fiscal, com o objetivo de adicionar à base de cálculo dos tributos os resultados que seriam obtidos pela pessoa jurídica domiciliada no Brasil caso o princípio do Arm’s Length tivesse sido respeitado.

De forma objetiva, os ajustes espontâneo e primário ocorrem somente para corrigir a base de cálculo do IRPJ e CSLL, portanto, não alteram o resultado contábil do período avaliado – constituindo apenas um ajuste fiscal. No entanto, o ajuste compensatório será realizado de forma a afetar o resultado contábil das entidades envolvidas e, consequentemente, o lucro ou perda estimados no período, que irão compor a base de cálculo dos tributos mencionados.

Os ajustes espontâneo ou primário serão identificados sempre que a entidade brasileira for a parte testada e apresente resultado inferior ao intervalo ou parâmetro de mercado, ou quando a entidade no exterior for a parte testada e apresente resultado superior ao intervalo ou parâmetro de mercado. Na situação em que a parte testada se encontre dentro do intervalo de comparáveis ou em linha com o parâmetro de mercado, nenhum ajuste será necessário. O ajuste compensatório é uma alternativa, a qual o contribuinte pode optar caso um ajuste espontâneo seja antecipado.

Vale destacar que a Lei 14.596/23 estabelece que nenhum ajuste poderá ser realizado com o objetivo de reduzir a base de cálculo dos tributos mencionados ou para aumentar o valor do prejuízo fiscal do IRPJ ou a base de cálculo negativa da CSLL, salvo em dois casos: i. situações especificas pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), válidas apenas para o ajuste compensatório; e ii. com o objetivo de respeitar resultados acordados em procedimentos amigáveis, aplicáveis às disputas com países com os quais o Brasil mantém acordos ou participa de convenções internacionais destinadas a eliminar a dupla tributação.

Na Instrução Normativa 2.161/23, a RFB apresentou as regras e procedimentos para o ajuste compensatório, além de formalizar as condições que podem resultar no aumento do valor do prejuízo fiscal do IRPJ ou da base de cálculo negativa da CSLL, ou ainda na redução da base de cálculo destes tributos.

Para a aplicação do ajuste compensatório, as seguintes condições devem ser atendidas:

a)      o ajuste deve ser efetuado de forma simétrica e definitiva na escrituração contábil da entidade brasileira e das demais entidades envolvidas na transação controlada, considerando seu valor e natureza;

b)      deve ser formalizado em documento (notas de débito, crédito ou de documentação fiscal e comercial) que indique a natureza e montante do ajuste;

c)      o montante deve ser ratificado por declaração dos representantes legais das entidades no exterior envolvidas na transação controlada, indicando que o mesmo valor de ajuste também foi realizado nestas entidades.

Esta última condição é necessária apenas nos casos em que o ajuste aumente o valor do prejuízo fiscal do IRPJ ou a base de cálculo negativa da CSLL, ou que reduza a base de cálculo destes tributos – ressaltando que esta situação não é permitida caso as entidades estrangeiras estejam localizadas em países com tributação favorecida ou em regime fiscal privilegiado.

O instrumento normativo estabeleceu a temporalidade do ajuste compensatório, indicando a entrega da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) como o limite de sua realização, desde que seu registro contábil seja efetuado, em caráter permanente, na escrituração contábil da entidade brasileira do ano-calendário relativo ao período de apuração da transação controlada.

A normatização do limite para a realização do ajuste compensatório, bem como a indicação do registro contábil, permite o entendimento de que a menção da lei sobre o ajuste até o encerramento do ano-calendário em que for incorrida a transação, versa sobre a data de encerramento do livro contábil da entidade, e não necessariamente sobre o término do calendário civil.

No que se refere ao nível de detalhes requeridos nas informações contábeis, o programa gerador da ECF requer a indicação da conta contábil em que foi lançado o valor do ajuste compensatório, com base no plano de contas informado pelo contribuinte. Sendo necessário informar também a abertura do saldo utilizado – se foi credor ou devedor – e o tipo de ajuste: aumento de receita, redução de custo, redução de despesa ou outra. O lançamento deve considerar a natureza da transação controlada, de modo que o reconhecimento apresente o resultado esperado pela norma brasileira.

O ajuste compensatório é uma opção do contribuinte e tem por objetivo reduzir o efeito da dupla tributação do grupo multinacional, decorrente de transação que não atende ao princípio Arm’s Length. O valor do ajuste pode incorrer na redução da lucratividade da entidade brasileira, proveniente de situações em que a empresa, como parte testada, apresenta resultado superior ao intervalo ou parâmetro de mercado ou em que a entidade no exterior, como parte testada, apresente resultado inferior a estes parâmetros. No caso de o valor resultar no aumento da lucratividade no Brasil, temos o efeito oposto nas partes testadas para correção do resultado da transação controlada.

A existência de um ajuste de preços de transferência, em que haverá impacto no lucro tributável em uma das partes envolvidas, de modo a alinhar o preço da transação ao princípio Arm’s Length, termina por tributar duplamente o montante incorrido entre as partes, incorrendo no aumento do lucro tributável, por meio do ajuste, de uma das partes sem a compensação equivalente na outra entidade. Desta maneira, o ajuste compensatório evita o impacto da dupla tributação, sem prejudicar o resultado tributável da parte testada.

De modo a exemplificar a aplicação do ajuste, podemos considerar uma empresa brasileira exportadora de serviços que precifica suas vendas no mercado externo por meio de aplicação de margem sobre o custo total incorrido (custos diretos, custos indiretos e despesas operacionais). Neste caso, a aplicação do método Margem Líquida da Transação (MLT), para o qual é necessário identificar a margem liquida obtida em transações entre empresas não relacionadas, se demonstra como razoável.

O intervalo de lucratividade, destacado a seguir, apresenta quartil inferior de 10% e quartil superior de 15%. Caso a empresa brasileira apresente margem neste intervalo, considera-se atendido o princípio Arm’s Length. Por outro lado, se a margem estiver abaixo desse intervalo, será necessário efetuar um ajuste de preços de transferência.

No exemplo acima, o Momento 1 apresenta indicador de lucratividade fora do intervalo apropriado, resultando na necessidade de ajuste na base de cálculo do IRPJ e CSLL no valor de 64,00, considerando o cálculo pela mediana da amostragem, como exigido pelo parágrafo 4º do artigo 16 da Lei 14.596/23.

Sendo possível a emissão de uma nota complementar no montante do ajuste, antes do encerramento dos livros contábeis e antes do envio da ECF, o contribuinte pode se valer do ajuste compensatório. Neste caso, além da emissão da nota, será necessária a contabilização do valor de forma permanente nos registros contábeis como uma receita operacional, assim como indicado no Momento 2 do exemplo.  

Para o contribuinte brasileiro – parte testada nesta operação –, o resultado tributável será essencialmente o mesmo. O Momento 1 apresenta Lucro de 50,00 e demandaria a adição do ajuste de preços de transferência no montante de 64,00, passando a apresentar um lucro tributável de 114,00. Após o ajuste compensatório, o Momento 2 apresenta exatamente o lucro de 114,00 e não requer outros ajustes de preços de transferência. No entanto, para a contraparte no exterior, a despesa com o serviço prestado pelo Brasil passa de 1.000,00 para 1.064,00, resultando em uma redução da base tributável da contraparte e terminando com a dupla tributação caso a empresa se mantivesse no Momento 1.  

Ademais das vantagens do ajuste compensatório para o grupo multinacional, é importante entender se as regras de governança e se os sistemas contábeis e fiscais utilizados permitem a formalização de notas complementares e reconhecimentos de receitas, custos ou despesas após a conclusão do ano-calendário civil, e em qual momento os livros contábeis são encerrados. Este é um tema que cada contribuinte deve avaliar, além de ser suportado por análises pautadas nas informações que melhor refletem o resultado da parte testada, com indicações precisas dos intervalos ou parâmetros de comparáveis para estimar os eventuais ajustes.

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