Há anos discute-se a implementação de uma reforma tributária no País que fosse capaz de corrigir diversos aspectos do sistema atual referentes à complexidade criada ao longo dos anos. No entanto, com a chegada da PEC 45/2019, quais cuidados os contribuintes devem tomar?
Ao falarmos sobre tributos indiretos no Brasil, aqueles que incidem sobre o consumo, deve-se considerar as segregações de suas competências entre União (PIS, Cofins e IPI), Estados e Distrito Federal (ICMS), e Municípios (ISS). Esse cenário – com vinte e sete unidades federativas cuidando do ICMS e mais de cinco mil e quinhentos municípios introduzindo o ISS, cada qual com suas legislações, entendimentos e regras específicas –, tem sido uma das maiores razões para chegarmos no atual nível de complexidade observado no modelo de tributação indireta do País.
Diversos aspectos tornam a operação fiscal no País uma tarefa muito desafiadora, como:
Como consequência disso, as empresas gastam muitas horas a cada mês para acompanhar as mudanças legislativas, preparar as obrigações acessórias, implementar ajustes ou novos requerimentos, atender eventuais notificações do fisco etc. Segundo a pesquisa “Tax do Amanhã 2023”, realizada pela Deloitte, esse número de horas necessárias pode chegar, anualmente, a quarenta e quatro mil, dependendo do tamanho da empresa e seu setor de atuação.
Tal situação afasta os investimentos estrangeiros, pois as dificuldades em atender às regras tributárias brasileiras pesam de forma negativa na balança do investidor, que pode optar por direcionar seus recursos a países com um sistema tributário mais simples e transparente. Mais do que se preocupar com a carga tributária em si, empresas e investidores atem-se aos riscos e à insegurança jurídica decorrentes do sistema atual.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, aprovada no Congresso Nacional e promulgada por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, busca atender, ao menos em parte, por essa transparência e simplificação. O modelo tributário proposto prevê a criação do chamado “IVA dual”.
O IVA é o Imposto sobre Valor Adicionado adotado atualmente por mais de cento e setenta países, onde tem se mostrado neutro economicamente e eficaz sob o ponto de vista arrecadatório. O modelo “dual” se refere a dois tributos que serão criados para a substituição de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS:
A ideia inicial era a criação de um único tributo de competência federal, trazendo maior simplificação ao modelo, porém, as dificuldades de conciliação de interesses dos diferentes entes e em atenção ao Pacto Federativo, fez com que a solução proposta adotasse o sistema “dual” mencionado, também existente em outros países, que considera a criação de dois tributos, no lugar de um.
A “Guerra Fiscal” é uma concessão unilateral de incentivos fiscais do ICMS por unidades federativas, a qual possui a finalidade de atrair contribuintes para se estabelecerem em seus territórios e, consequentemente, aumentar a arrecadação e a geração de investimentos locais. Contudo, ao longo dos anos esse movimento foi objeto de muitas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
A Lei Complementar nº 160/2017, culminada na publicação do Convênio ICMS nº 190/2017, foi estabelecida para colocar um prazo final nessa situação, determinando que tais incentivos fiscais poderiam ser usufruídos pelos contribuintes somente até 2032. Alinhada a este prazo, a reforma tributária determina um modelo de transição em que o sistema atual seja totalmente substituído pelo modelo proposto a partir de 2033, ou seja, os contribuintes detentores de incentivos fiscais poderão aproveitá-los até o final de 2032, como previsto antes mesmo da PEC nº 45/2019.
Além da extinção dos benefícios concedidos pelas unidades federativas, a reforma também propõe uma mudança de extrema relevância relacionada à tributação no destino, determinando que o tributo será recolhido de acordo com o local onde o destinatário estivesse localizado, ou seja, a concessão de benefícios fiscais na origem não terá mais efeito na carga tributária da operação, uma vez que o tributo será integralmente recolhido no destino.
Uma vez que tais benefícios deixarão de existir a partir de 2033, essa situação poderá trazer grandes impactos aos contribuintes que se estabeleceram em determinadas regiões com o objetivo de obter otimizações tributárias. A fim de não criar grandes desequilíbrios regionais em decorrência desse possível cenário, a reforma prevê a constituição de fundos compensatórios que irão auxiliar unidades federadas a não serem impactadas sobremaneira com as mudanças previstas.
1. Base de cálculo abrangente e alíquota única: CBS e IBS incidirão sobre bens e serviços, tangíveis, intangíveis, importações e produtos digitais, representando um grande avanço no modelo proposto por acabar com discussões sobre a incidência de ICMS ou ISS sobre determinadas prestações. Além disso, prevê-se a aplicação de uma alíquota padrão única, com poucas exceções – alguns grupos específicos de produtos e serviços de elevada importância social serão considerados exceções, prevendo-se a aplicação de alíquota reduzida ou alíquota zero.
a) Redução de alíquota em 60%: serviços de educação; insumos agropecuários e agrícolas; alimentos destinados ao consumo humano; produtos de higiene pessoal, limpeza e cuidados básicos à saúde menstrual; produtos agropecuários, agrícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas in natura; serviços de transporte coletivo (rodoviário e metroviário); medicamentos, dispositivos médicos e serviços de saúde; dispositivos de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida; produções artísticas e congêneres; atividades desportivas; comunicação institucional; bens e serviços de segurança nacional, da informação e cibernética.
b) Redução de alíquota em 30%: serviços profissionais fiscalizados por conselhos profissionais, serviços de profissão intelectual de natureza científica, literária ou artística.
c) Alíquota zero: serviços de educação superior (Prouni) – aplicável apenas com relação à CBS; produtores rurais (pessoa física com receita anual de até R$ 3,6 milhões); produtos constantes da cesta básica (cuja definição terá abrangência nacional), produtos hortícolas, frutas e ovos; medicamentos; dispositivos médicos; dispositivos de acessibilidade e automóveis para pessoas com mobilidade reduzida; automóveis para pessoas com transtorno do espectro autista e taxistas; produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte público coletivo (rodoviário e metroviário); reabilitação urbana de zonas históricas e áreas críticas de recuperação urbanística e serviços de entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos (ICTs).
2. Cálculo “por fora”: diferentemente do modelo de formação de preço atual (gross up) – no qual o tributo é inserido no valor do produto/serviço “por dentro”, compondo a sua própria base de cálculo na maioria das vezes – a reforma tributária prevê que o cálculo da CBS e do IBS sejam realizados “por fora”, ou seja, sobre o custo + margem serão aplicadas diretamente as alíquotas dos tributos, sem a realização do gross up, dando mais transparência quanto à carga tributária efetivamente aplicada à operação.
3. Não cumulatividade plena: as operações tributadas nas etapas anteriores gerarão créditos da CBS e do IBS, com poucas exceções, extinguindo-se inúmeras discussões quanto à possibilidade de crédito dentro das limitações existentes no atual modelo de não cumulatividade.
4. Imposto Seletivo (IS): com a finalidade de regular e desincentivar o consumo de certos produtos/serviços que possam ser prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a reforma tributária prevê, além do IVA dual, a criação do Imposto Seletivo (IS), incidindo sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços que se enquadrem nesse critério. Diferentemente da CBS e IBS, que não integram a base de cálculo um do outro, o IS integrará a base de cálculo tanto da CBS, quanto do IBS.
Diante das complexidades existentes no sistema tributário atual e das incertezas que ainda se apresentam em relação ao novo modelo, em especial quanto à alíquota a ser aplicada, a reforma tributária propõe um período de transição de 7 anos, no qual o governo poderá testar e calibrar a carga tributária da CBS e IBS, bem como endereçar possíveis efeitos de migração de um modelo para o outro.
No entanto, isso significa que o contribuinte terá que conviver paralelamente com os dois sistemas ao longo desses anos, o que aumentará, inevitavelmente, a complexidade durante o período. Mas, o esforço será recompensado após a migração integral, atingindo a esperada simplificação da carga tributária.
O início da transição está previsto para 2026, com a aplicação de alíquotas teste da CBS e do IBS (0,9% e 0,1%, respectivamente), que poderão ser deduzidas do PIS e da Cofins ou compensadas com outros tributos.
Serão diversos desafios até chegarmos à extinção do modelo tributário atual, pois a convivência com as novas regras fiscais junto às antigas, durante o período de transição, requererá adequações sistêmicas, observações de regras distintas de créditos (não cumulatividade plena versus não cumulatividade parcial), preparação de planos de ação para homologação e monetização de eventuais saldos credores de tributos acumulados no modelo atual, planejamento quanto à precificação dos produtos e serviços (que poderão sofrer impactos em sua carga tributária atual) etc.
Neste sentido, é muito importante que o contribuinte esteja ciente e se planeje para lidar com o aumento da complexidade que existirá ao longo do período de transição, mas saiba também que a migração para o novo modelo tributário trará simplificação, transparência e estímulo à economia do País – efeitos buscados após o período de maiores desafios.
Por fim, a Reforma Tributária aprovada prevê algumas outras alterações: