A Reforma Tributária teve sua regulamentação sancionada em 16 de janeiro e estabeleceu condições fiscais diferenciadas para impulsionar a produção de biocombustíveis e de hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil. Este movimento posiciona ainda mais o País na rota de investimentos globais e em posição de protagonismo na transição energética.
O artigo 175 do Projeto de Lei da Reforma Tributária, aprovado pelo Senado e a Câmara dos Deputados, prevê que as alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) relativas aos biocombustíveis e ao hidrogênio verde ficarão entre 40% e 90% da alíquota dos combustíveis fósseis. O nível de redução da tributação dos combustíveis verde deverá variar com base na sua equivalência energética, nos preços de mercado e as unidades de medida dos combustíveis comparados.
Outro ponto importante é que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) criado com o objetivo de alocar recursos para os Estados e Distrito Federal desenvolverem projetos de infraestrutura, fomento à atividade produtiva, incluindo subvenções econômicas e financeiras, e promoção de desenvolvimento científico e tecnológico, prevê a priorização da sustentabilidade ambiental e da redução de emissões de carbono.
O FNDR terá recursos anuais crescentes, começando com R$ 8 bilhões em 2029, chegando a R$ 60 bilhões a partir de 2043. Os instrumentos de incentivo viabilizados por esse Fundo ainda não foram regulamentados ou criados, mas sem dúvidas esta será uma fonte de recursos das mais importantes para o estímulo a transição energética no país.
O texto da Reforma Tributária corrobora com outras iniciativas legislativas de suporte à mitigação de impactos adversos ao clima, alinhadas aos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, durante a COP21 (em 2015), que visa a diminuição de gases do efeito estufa como forma de conter o aquecimento global.
O marco regulatório do hidrogênio de baixo carbono foi aprovado em 02/08/2024 e instituiu dois programas de incentivos: o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (REHIDRO) e o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).
O REHIDRO foi instituído como objetivo de incentivar o desenvolvimento tecnológico e industrial, a competitividade e a agregação de valor nas cadeias produtivas nacionais vinculadas à produção e uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono. Ele prevê a suspensão do PIS/COFINS e PIS/COFINS-Importação na aquisição de máquinas, equipamentos e serviços destinados ao ativo imobilizado de empresas habilitadas à produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono; empresas que exercem as atividades de acondicionamento, de armazenamento, de transporte, de distribuição ou de comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono; empresas que se dedicam à geração de energia elétrica renovável ou que produzam biocombustíveis (etanol, biogás ou biometano) para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.
O incentivo possui vigência de 5 (cinco) anos e é válido a partir da habilitação da beneficiária junto à Agência Nacional do Petróleo (ANP), que poderá ocorrer a partir de 01/01/2025. Ainda falta regulamentação, mas o País está no caminho certo para minimizar impactos ambientais negativos.
Já o PHBC foi instituído para constituir fonte de recursos para a transição energética, a partir do uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono (até 7 kgCO2eq/kgH2, considerando seu ciclo de vida). Como benefício, está a concessão de crédito fiscal de até 100% da diferença entre o preço estimado do hidrogênio de baixa emissão de carbono e o preço estimado de bens substitutos.
Esse crédito fiscal possui natureza de um crédito fiscal da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As empresas beneficiadas podem utilizar o montante para pagar tributos federais. Se não houver tributos a compensar, a empresa poderá pedir o pagamento em dinheiro, que será efetuado em até 12 meses após o pedido.
A concessão do crédito será precedida de procedimento concorrencial, respeitando os limites financeiros globais anuais, entre R$ 1,7 bilhão em 2028 e R$ 5 bilhões até 2032. No tocante à elegibilidade, a empresa deverá apresentar Projeto que contribua para o desenvolvimento regional e/o tecnológico; ou para a mitigação e adaptação à mudança climática, entre outros requisitos.
Além dos incentivos específicos do setor, as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) e os regimes aduaneiros especiais existentes no Brasil, cuja manutenção está garantida no texto aprovado da Reforma Tributária, são considerados importantes instrumentos de estímulo e viabilidade de projetos que visam exportar hidrogênio verde, seus derivados, além de minérios e outras comodities produzidas com baixa emissão de carbono. Muitos dos projetos de grupos nacionais e internacionais que visam investir no país nos próximos anos estão avaliando as ZPEs como destino do investimento. Isso pode ser observado na quantidade de Protocolo de Intenções (mais de 30) já assinados com o Ceará para investimento em projetos de hidrogênio verde em Pecém, onde além de uma localização estratégica e uma infraestrutura potencial importante, está localizada uma das ZPEs ativas do país.
Atualmente, a legislação que rege as ZPEs oferece vantagens como a suspensão de impostos e contribuições sobre aquisições no mercado interno e importações, que mitigam o risco de potencial acúmulo de créditos tributários. Com a implantação da Reforma Tributária e sua regra de não-cumulatividade plena, as condições atuais devem ser mantidas para a nova tributação, mas o efeito tende a ser principalmente de fluxo de caixa, o que não deixa se der relevante.
Outro aspecto importante é a possibilidade de manutenção e criação de condições fiscais diferenciadas nessas áreas, especialmente no que diz respeito à produção de hidrogênio verde, que conta com a suspensão de impostos sobre a energia elétrica utilizada em sua produção.
Apesar do regime atrativo, investir e operar nas ZPEs atualmente ativas no país pode ser mais caro em virtude da limitação de espaço e de provedores de alguns serviços essenciais para as operações. Nesse sentido, a viabilidade da ZPE enquanto destino dos investimentos em hidrogênio verde e sua cadeia no País precisa ser estudada levando em consideração as especificidades de cada projeto.
Todo esse movimento do Brasil busca tomar proveito da grande oportunidade global de o País ser o destino de trilhões de dólares de investimentos na cadeia do hidrogênio verde. Recentemente o secretário geral da ONU, António Guterres, abriu a COP29 reforçando a necessidade de mais financiamento público das grandes potências globais na transição energética.
Atualmente, existem pacotes de incentivos milionários e trilionários nos EUA, Europa, Canadá, Austrália, China, Japão, entre outros países. Sendo grande parte do financiamento sendo concedido a fundo perdido. Alguns desses pacotes podem ser inclusive acessados por projetos realizados aqui no Brasil, desde que atendam os critérios e assumam o compromisso de venda para determinada região, como o pacote PtX Development Fund e Innovation Fund, da Alemanha e Uniao Europeia, respectivamente.
O Brasil tem programas para financiar investimentos em P&DI com impacto na mitigação de danos ambientais, via FINEP e Embrapii. Mas o maior volume de recursos disponíveis hoje no País está direcionado para financiamentos reembolsáveis via BNDES e bancos de desenvolvimento regional. O acesso aos recursos depende do cumprimento de requisitos, tais como a apresentação de um projeto que atenda aos requisitos dos fundos, planos de governança apropriada, e de mitigação de riscos.
Com a Reforma Tributária e os demais instrumentos aqui citados, o Brasil está no caminho para construir um ambiente bastante favorável de estímulos à transição energética e à sustentabilidade.
*Carlos Hunka é sócio de consultoria Tributária, líder de Tax nas regiões Norte e Nordeste, e líder da linha de serviços de Global Investment & Innovation Incentives da Deloitte; Carolina Verginelli é sócia de Consultoria Tributária; Camila Carvalho é gerente de consultoria Tributária da Deloitte, especializada incentivos fiscais.