Por Christian Canezin e Edson Im, sócios de Auditoria & Assurance da Deloitte, e Leonardo Arakaki, gerente de Auditoria & Assurance da Deloitte
As entidades estão enfrentando incertezas significativas devido às incertezas do atual ambiente macroeconômico e geopolítico, incluindo os efeitos das mudanças climáticas, as taxas de juros e inflação elevadas, as preocupações com a segurança energética, os ataques cibernéticos, as eleições nas principais economias e os conflitos e as tensões internacionais. Considerando esse contexto, os investidores e os reguladores esperam que as entidades sejam transparentes na divulgação de como estão lidando com esse cenário desafiador.
Níveis mais altos de inflação e taxas de juros de mercado afetam vários aspectos dos relatórios financeiros que dependem das previsões de fluxos de caixa futuros e cálculos de valor presente. Embora a inflação e as taxas de juros estejam se estabilizando ou diminuindo em algumas economias, as considerações abaixo ainda podem ser aplicáveis, pois as entidades continuam expostas aos riscos associados.
Confira alguns temas relevantes para o momento atual, com ênfase em algumas áreas de preparação das demonstrações financeiras de 2024, consistentes com o foco de reguladores e investidores.
Contexto mundial
O ambiente externo permanece desafiador devido, principalmente, à conjuntura econômica incerta nos Estados Unidos, o que suscita em dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, desinflação e, consequentemente, sobre a postura do FED (Federal Reserve Board). Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê de Política Monetária do Brasil (Copom) avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte dos países emergentes¹.
Contexto brasileiro e doméstico
No Brasil, em novembro de 2024, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho segue apresentando dinamismo. A inflação cheia e as medidas subjacentes se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes. As expectativas para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,6% e 4,0%, respectivamente¹.
De acordo com a base contábil de continuidade operacional, as demonstrações financeiras são elaboradas com o pressuposto de que a entidade está e continuará operando em um futuro previsível. Caso forem identificados eventos ou condições que possam levantar dúvidas quanto à sua capacidade operacional, a Administração deve avaliar e assegurar que tenha evidências apropriadas e suficientes para determinar se realmente existem ou não incertezas que possam levantar alguma dúvida significativa (incerteza relevante). Esse cenário requer por divulgações claras e detalhadas sobre a avaliação da Administração e, caso a conclusão leve à existência de incertezas relevantes sobre a continuidade operacional, ela irá gerar um efeito adverso nas demonstrações financeiras.
O cenário macroeconômico e geopolítico atual pode aumentar a incerteza e o julgamento referente à avaliação sobre a continuidade operacional das organizações, a qual deve ser baseada em informações disponíveis na época em que o julgamento é feito. Eventos subsequentes podem produzir resultados inconsistentes com os julgamentos realizados, que eram razoáveis na época, e devem também ser considerados.
A empresa deve avaliar suas circunstâncias específicas e sua capacidade para continuar operando durante pelo menos, mas não se limitando a, 12 meses a partir da data das demonstrações financeiras. A avaliação pela Administração envolve julgamento sobre os resultados futuros e inerentes a eventos ou condições futuras. Essa situação exige que a organização considere os seguintes aspectos:
Ao realizar tal avaliação, a entidade deverá considerar os eventos e os acontecimentos subsequentes à data da demonstração financeira e anteriores à data de aprovação e autorização de publicação pela Administração. Contudo, em certas jurisdições existem regulamentações que podem prolongar este período.
Caso a Administração tenha conhecimento sobre as incertezas materiais que possam afetar a capacidade de continuidade operacional da organização, elas devem ser divulgadas em nota explicativa das demonstrações financeiras, incluindo, em específico, considerações detalhadas sobre a extensão do risco, sua tangibilidade e a efetividade de seu plano de mitigação, além de julgamentos relevantes realizados pela Administração.
Caso a Administração conclua que não há incertezas materiais relacionadas à capacidade de continuidade operacional, essa avaliação e conclusão já são consideradas como um julgamento relevante e que deve ser divulgado em notas explicativas das demonstrações financeiras.
Como consequência das exigências de reguladores, mercado e normas contábeis, o volume de informações e relatórios preparados e disponibilizados pelas organizações tem aumentado a cada dia. Dependendo da sua operação e de seu tamanho, essas informações podem ser mais ou menos complexas e envolver um nível elevado ou baixo de áreas ou profissionais na preparação. Esses fatores, quando combinados, trazem um ponto de atenção específico: a consistência das informações entre esses relatórios. Essa questão tem sido apontada pelos investidores como uma das principais fontes de insegurança sobre a confiabilidade das informações divulgadas pelas organizações.
Não é esperado que haja relatórios referentes ao mesmo período de avaliação com informações inconsistentes, seja com ênfases divergentes ou com a divulgação de potenciais impactos discordantes entre eles. Confira alguns exemplos:
A divulgação de informações comparáveis proveem dados mais confiáveis e relevantes.
Os acontecimentos políticos e as sanções mudam constantemente e se diferem em todo o mundo. Embora esse artigo não aborde especificamente tais atividades, ele pretende aumentar a sensibilização para alguns dos principais impactos em seus negócios e demonstrações financeiras advindos de conflitos internacionais.
O fato do Brasil estar, em grande parte das vezes, geograficamente distante desses acontecimentos não significa que os negócios e os consumidores brasileiros não sejam impactados por eles. Tratam-se, muitas vezes, de conflitos que envolvem mercado líderes em comodities diretamente ligadas ao equilíbrio econômico internacional e à manutenção de setores fundamentais na sociedade, como os combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) e os insumos do agronegócio (sementes e fertilizantes). Assim, a presença desses conflitos impacta os países que se destacam como como exportadores desses produtos para o mercado global – ou seja, importadores também do Brasil.
Principais impactos podem advir de:
Para as organizações que atuam no Brasil, os impactos devido a conflitos internacionais podem ser numerosos, especialmente para organizações que possuem operações ou acordos contratuais relevantes nos países em confronto, sendo afetadas diretamente.
A análise dos impactos indiretos – aumento dos preços de produtos básicos, as taxas de câmbio, a cadeia de suprimento, entre outros – é igualmente relevante.
Nas demonstrações financeiras, a divulgação desses fatores é tão importante quanto sua avaliação, contemplando os julgamentos da Administração sobre esses impactos na operação da organização.Mesmo as empresas que não possuem exposição direta a esses fatores podem ser afetadas pela incerteza econômica global e impactos negativos na economia e nos principais mercados financeiros.
A relevância das questões a serem discutidas irá variar de acordo com o setor e as circunstâncias da organização, mas os temas relacionados aos seguintes tópicos estão entre os mais pervasivos e desafiadores:
Ao analisar como os conflitos podem afetar suas demonstrações financeiras, as organizações devem considerar cuidadosamente as suas circunstâncias específicas e únicas, e suas exposições ao risco – especificamente, as demonstrações financeiras e as divulgações relacionadas devem conter todos os efeitos materiais, atuais ou potenciais dos conflitos.
Este artigo foi desenvolvido pelos autores com o intuito de fornecer um guia mais acessível aos investidores e à Administração sobre os principais temas que podem impactar as demonstrações financeiras em 2024. Consequentemente, a linguagem utilizada é menos precisa tecnicamente do que a encontrada nas normas contábeis e ele não deve ser usado como fonte de interpretação ou considerado como completo.
As opiniões expressas nesse artigo são dos autores como indivíduos e não refletem necessariamente as opiniões da Deloitte, a qual assume posições oficiais apenas após extensa avaliação, de acordo com seus devidos processos internos.
¹Atas do Comitê de Política Monetária – Copom – 266ª Reunião – 5-6 novembro, 2024 publicado em 14 de novembro de 2024.