Por Reinaldo Oliari, sócio de Auditoria & Assurance da Deloitte, e Daniele Soares, gerente sênior de Auditoria & Assurance da Deloitte.
A conexão dos fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas demonstrações financeiras tornou-se fundamental à medida em que investidores, consumidores e reguladores exigem maior transparência e responsabilidade nas práticas corporativas. Esse movimento foi ampliado pelo avanço das normas do ISSB (International Sustainability Standards Board) e sua adoção por reguladores brasileiros, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução CVM 193/2023. Essa Resolução foi responsável por aprovar as normas internacionais de divulgação de Sustentabilidade (IFRS S1) e de Fatores Climáticos (IFRS S2) do ISSB, adaptando-as ao contexto brasileiro com elementos regulatórios locais, como a obrigatoriedade de asseguração razoável das informações divulgadas, realizada por profissionais qualificados e com registro no Cadastro Nacional de Auditores Independentes (CNAI) na habilitação CVM.
Ao ter o compromisso de adoção das normas internacionais de relatório financeiro, o Brasil dissemina esse conhecimento por meio do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), o qual tem como objetivo o estudo, o preparo e a emissão de documentos técnicos sobre padrões de divulgação sobre sustentabilidade e informações dessa natureza, possibilitando a emissão de normas pelas entidades reguladoras brasileiras.
Os participantes do CBPS são: a CVM, o Banco Central do Brasil - BCB, a Superintendência dos Seguros Privados - SUSEP, a Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB, a Confederação Nacional da Indústria - CNI, a Confederação Nacional do Comércio - CNC, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, a Associação de Programas de Pós-graduação em Ciências Contábeis - ANPCONT, o Instituto de Auditores Internos do Brasil – IIA e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC. A atuação desses órgãos posiciona o Brasil entre os líderes globais na transparência e padronização dos reportes de sustentabilidade e ESG.
A crescente movimentação de empresas que declararam que irão adotar voluntariamente a Resolução CVM 193/23 demonstra o comprometimento do mercado brasileiro com uma governança transparente e alinhada aos requerimentos globais de divulgação de sustentabilidade. Nos últimos meses observou-se uma atenção especial a temas específicos, como a materialidade financeira no padrão ISSB, o desenvolvimento de um plano de transição, a conexão com impactos financeiros e a implementação de controles internos para preparação para uma asseguração razoável. O destaque desses assuntos reflete o esforço das organizações em adaptarem suas práticas para atender às exigências de sustentabilidade e mitigar riscos financeiros e operacionais.
Para uma conexão diligente de temas de sustentabilidade e clima nas demonstrações financeiras, é essencial uma análise robusta de materialidade financeira ISSB, identificando fatores de ESG que impactam diretamente os resultados financeiros e a sustentabilidade dos negócios no curto, médio e longo prazo. Além disso, é necessário um plano de transição que estabeleça métricas e metas com prazos e recursos financeiros factíveis de adaptação às práticas mais sustentáveis.
Essas peças devem ser conectadas aos impactos financeiros para que as informações de sustentabilidade e ESG, especialmente aquelas referentes ao clima, reflitam os riscos e as oportunidades reais no fluxo de caixa e nos custos operacionais das empresas. A implementação de controles internos que sigam, por exemplo, o framework do Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission - COSO, o qual emitiu um guia de reportes de sustentabilidade (o Control Over Sustainability Reporting = ICSR), pode auxiliar na preparação de processos e controles para a consistência e a acuracidade dos dados divulgados. No contexto regulatório e econômico brasileiro, a adoção dessas práticas fortalece a resiliência das empresas e promove transparência para o mercado e a sociedade.
A materialidade financeira ISSB estabelece uma estrutura essencial para que as informações de sustentabilidade divulgadas pelas empresas estejam alinhadas com as expectativas dos investidores e as exigências do mercado e dos reguladores. O objetivo ao priorizar essas informações que possuem relevância financeira, é demonstrar se a empresa é sustentável ao longo prazo, identificar quais são os riscos e as oportunidades que podem afetar as perspectivas da empresa, e divulgar quais metas a empresa está se comprometendo e como será seu acompanhamento, por meio de métricas previamente estabelecidas.
Esse alinhamento responde à crescente demanda por informações que não apenas relatem os compromissos e desejos da empresa, mas também ofereçam uma visão clara da resiliência e capacidade de adaptação em um ambiente de pressões regulatórias, econômicas e de riscos de desastres climáticos. Dessa forma, a materialidade financeira ISSB promove aos investidores uma análise mais precisa do impacto dos fatores de sustentabilidade e ESG sobre a posição financeira atual e futura das organizações, promovendo decisões de investimento ou desinvestimento fundamentadas na sustentabilidade do negócio analisado e na sua solidez econômica.
Identificar temas relevantes de sustentabilidade e ESG com impacto financeiro é uma etapa essencial, especialmente considerando as complexidades do mercado, as particularidades das operações da empresa e os impactos ao longo da cadeia de valor. Essa análise deve ir além de uma abordagem superficial, buscando entender como temas ambientais, sociais e de governança afetam diretamente o desempenho financeiro da organização, desde a geração de receita, a estrutura de custos e despesas, até o gerenciamento de riscos de fornecedores e parceiros na cadeia de valor, e a categoria de clientes e sua disposição geográfica que a empresa tem como alvo.
A principal dificuldade está em quantificar esses impactos, especialmente quando os riscos e as oportunidades se manifestam em prazos variados e, muitas vezes, de forma indireta. Por isso, as empresas precisam de metodologias robustas para avaliar o impacto em diferentes elos da cadeia de valor, desde fornecedores até distribuidores, traduzindo-os em métricas financeiras. Essa visão ampla fortalece a governança e amplia o valor percebido pelos investidores ao fornecer uma perspectiva holística dos riscos e oportunidades de sustentabilidade e ESG.
O processo de alinhamento não se limita à conformidade com a norma, ele representa uma estratégia de comunicação eficaz e fortalece a confiança dos investidores, os quais cada vez mais valorizam as práticas de sustentabilidade e ESG abrangentes e transparentes. Esse alinhamento, ao incluir a cadeia de valor, aumenta a competitividade devido a atração de investidores que buscam por empresas com governança mais sólida e práticas integradas no tema em questão. Um alinhamento contínuo demanda adaptação às práticas de mercado em evolução e a necessidade de promover que as principais partes da cadeia de valor estejam igualmente comprometidas com as diretrizes estabelecidas pela empresa.
A materialidade financeira ISSB deve ser revisada ao final de cada ano fiscal para refletir as mudanças nas condições de mercado, na cadeia de valor, no ambiente regulatório e legal que a empresa atua, permitindo que os temas identificados continuem relevantes e alinhados com o contexto atual da empresa.
Uma materialidade atualizada fornece uma estrutura adaptável que orienta as práticas de sustentabilidade e ESG e permite ajustes ágeis conforme as demandas mudam – atualizá-la requer um sistema eficiente de monitoramento do ecossistema que a empresa atua. A documentação adequada desse processo é fundamental para que o relatório ISSB reflita uma visão precisa, concisa e relevante, facilitando a análise de investidores, a rastreabilidade das informações e o processo de asseguração do relatório por auditores independentes. Esse processo não só melhora a transparência, mas também possibilita uma gestão mais ágil, permitindo que a empresa ajuste rapidamente suas estratégias e fortaleça sua resiliência em um cenário de negócios cada vez mais dinâmico.
Um plano de transição baseado nas diretrizes do Transition Plan Taskforce (TPT) é uma peça central para as empresas que buscam se adaptar a uma economia de baixo carbono ao mesmo tempo em que fortalecem sua resiliência financeira com equipamentos com menor consumo de energia e redução de emissões de gases do efeito estufa.
Esse plano oferece uma estrutura para que a empresa defina metas de curto, médio e longo prazo, guiando-se por práticas sustentáveis e fazendo suas divulgações em conformidade com as normas do ISSB. Com uma estrutura robusta, ele cria oportunidades de diferenciação da empresa em relação aos seus concorrentes e um planejamento estruturado de investimentos em CAPEX para equipamentos mais eficientes em consumo de energia e com menor emissão de gases do efeito estufa, promovendo uma operação mais resiliente e competitiva.
Seu principal objetivo é permitir uma adaptação consistente e mensurável às práticas sustentáveis, sem comprometer a resiliência financeira da empresa. Em vez de uma abordagem estática, o plano de transição propõe um ciclo dinâmico de avaliação, planejamento e ajustes que alinham as metas e a realidade financeira da organização. Com essa abordagem, a empresa pode criar um plano de mitigação aos riscos climáticos e tornar-se mais resiliente
Estabelecer metas claras para o plano de transição é fundamental, mas é , necessário que elas estejam baseadas em evidências científicas e dados financeiros precisos. Metas para redução de emissões, uso de energia renovável e práticas sustentáveis na cadeia de valor, por exemplo, devem refletir as condições atuais e as previsões econômicas do setor. No entanto, em um ambiente de constantes mudanças econômicas e climáticas, quantificar o impacto desses objetivos e projetar o retorno sobre investimento (ROI) pode se tornar complexo – esse desafio exige da empresa um equilíbrio entre sustentabilidade e metas financeiras, de forma que o impacto positivo possa ser mensurado sem comprometer as operações principais.
A prática de análise de cenários, conforme requerida pelas normas ISSB, permite o mapeamento de riscos e oportunidades em diferentes condições econômicas e no ambiente em que a empresa atua. Ao simular cenários de curto, médio e longo prazo, é possível identificar como os eventos climáticos extremos, as mudanças regulatórias e as inovações tecnológicas podem impactar suas operações e sua posição no mercado. Embora seja uma ferramenta poderosa para se antecipar a impactos, a análise de cenários requer investimentos e tecnologia para ser feita com precisão. Contudo, a prática agrega valor ao plano de transição, permitindo que a empresa ajuste seu curso conforme necessário para proteger sua rentabilidade e competitividade.
Um plano de transição vai além das operações da empresa, pois também considera os impactos e as práticas ao longo de toda a cadeia de valor. A inclusão de fornecedores, distribuidores e parceiros de negócio na estratégia de transição é essencial para que os compromissos de sustentabilidade sejam cumpridos de ponta a ponta, ampliando o alcance das metas ESG. Entretanto, envolver a cadeia de valor implica em desafios de monitoramento, comunicação e engajamento, uma vez que esses parceiros podem estar em diferentes estágios de maturidade em relação às práticas de sustentabilidade. Para superar essa barreira, a empresa deve adotar políticas claras e ferramentas de monitoramento, capazes de proporcionar o avanço às metas estabelecidas por parte da cadeia de valor e fornecer aos seus investidores uma base sólida para a tomada de decisões estratégicas, promovendo maior transparência e adaptação.Um plano de transição bem estruturado e fundamentado permite que a empresa se prepare para incertezas regulatórias e climáticas, permitindo uma abordagem sustentável e com foco em redução de custos e maior rentabilidade.
O objetivo central da conexão entre as práticas de sustentabilidade e o desempenho financeiro é permitir que os impactos de fatores ESG sejam traduzidos em métricas financeiras e não financeiras, materiais e relevantes para os usuários dos reportes financeiros. Ao incluir essas informações no relatório preparado de acordo com as normas emitidas pelo ISSB, a empresa entrega ao mercado uma visão mais abrangente das implicações financeiras de suas práticas de sustentabilidade, promovendo maior previsibilidade e sustentabilidade em suas operações.
Incorporar variáveis de sustentabilidade e ESG em projeções financeiras requer a identificação e uma quantificação mais precisa dos impactos desses fatores em elementos como custos e despesas operacionais, receitas por segmento, região, produto e as respectivas margens atuais e projetadas.
Para maximizar a clareza sobre como a sustentabilidade e o clima impactam financeiramente as operações, é fundamental observar onde essas variáveis se conectam diretamente com as demonstrações financeiras: