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Teste de impairment de ativos

Por Fábio Luís Monteiro, sócio de Financial Advisory da Deloitte.

O teste de impairment, previsto nas normas brasileiras de contabilidade pelo pronunciamento CPC-01, orienta as entidades a respeito dos procedimentos que devem ser seguidos e aplicados anualmente para garantir que um ativo não seja contabilizado por um valor superior ao seu valor recuperável – sendo este o maior entre o valor que pode ser obtido pela venda ou o valor que se espera obter através do uso do ativo.

Dentro deste contexto, analisamos neste artigo quatro assuntos que se mostram particularmente controversos na apuração do valor recuperável pelo fluxo de caixa: (i) incorporação dos impactos de ESG; (ii) a taxa de desconto utilizada para se trazer a valor presente os fluxos de caixa futuros que devem ser gerados pelos ativos que estão sendo testados e (iii) o tratamento que se dá para os saldos de ativos e também passivos circulantes operacionais ao estimar a variação do capital de giro decorrente da operação dos ativos testados para impairment.

Embora na teoria o teste de impairment pareça algo simples, na prática existem desafios a serem superados, especialmente no momento de se apurar o valor recuperável. Especificamente quando o valor recuperável é obtido através do desenvolvimento de um exercício de estimativa de fluxos de caixa futuros, a observação tem indicado que existe uma diversidade de abordagens e de técnicas que nem sempre se apresentam adequadas.

Antes, porém, cabe relembrar alguns conceitos fundamentais sobre os quais todo teste de impairment se baseia:

  1. Valor Contábil Líquido (Carrying Amount), que é o valor pelo qual o ativo está registrado na contabilidade de uma entidade, líquido da depreciação acumulada e das provisões para perda registradas anteriormente para esse ativo.
  2. Unidade Geradora de Caixa (Cash Generating Unit – CGU) a qual corresponde ao menor nível identificável de um ativo ou grupo de ativos capazes de gerar entradas de caixa representativas e independentes de outros ativos ou grupos de ativos.
  3. Valor Justo Líquido de Vendas (Fair Value Less Cost to Sell) que corresponde ao valor obtido ou que se pode obter na venda de um ativo ou de uma unidade geradora de caixa, líquido dos custos de venda correspondentes (como, por exemplo, custos legais, despesas de anúncios, comissões, etc). Esse valor deve considerar uma transação entre partes independentes, em condições de mercado.
  4. Valor em Uso (Value in Use) que é o valor presente da estimativa de fluxos futuros de caixa descontados a valor presente que se espera obter pelo uso de um ativo ou de uma unidade geradora de caixa.

O Valor Contábil Líquido, devido a sua relevância, abrangência e constante evolução, resulta em impactos nas estimativas de fluxos de caixa da administração, que devem ser baseadas em premissas razoáveis, suportáveis e que reflitam as condições econômicas de seus ativos e o nível dos riscos aos quais a entidade está exposta e associada – o que inclui mudanças do mercado e modelo de negócio.

Impacto ambiental

Iniciativas do mercado orientadas para o consumidor podem afetar as demandas por produtos com impacto ambiental, como por exemplo: (a) minimizar o uso de plásticos; (b) reduzir/eliminar a utilização de agrotóxicos; (c) utilizar energia de fontes limpas no processo produtivo. São exemplos de mudanças no comportamento dos consumidores que não dependem de reestruturação da entidade, alteração do ativo ou unidade de geração de caixa em avaliação e, portanto, devem ser incorporadas nas estimativas de fluxo de caixa. Este é apenas um dos potenciais impactos do ESG no fluxo de caixa, que podem ser diversos e com magnitudes diferentes, a depender do segmento de atuação e do amadurecimento da entidade em relação ao tema.

Em relação à CGU, o que se mostra desafiador na apuração do valor recuperável de um ativo quando se utiliza o método do fluxo de caixa descontado é o cálculo da taxa de desconto. A taxa de desconto deve refletir o valor do dinheiro no tempo e, também, considerar os riscos específicos atrelados ao ativo.

Uma metodologia amplamente aceita e que pode ser utilizada como ponto de partida nas análises em praticamente todas as situações consiste na determinação do custo médio ponderado de capitais (da sigla em inglês WACC – Weighted Average Cost of Capital).

O WACC é amplamente utilizado e aceito pelo mercado como forma de se calcular a taxa de desconto de empresas e ativos. Além de amplamente aceito e com farta literatura, seus componentes podem ser apurados através de diversas fontes de informações disponíveis e por meio de diferentes bancos de dados.

Um dos equívocos mais comuns encontrados na apuração da taxa de desconto, segundo a abordagem do WACC, está na utilização de parâmetros e dados específicos da empresa ou do negócio que está sendo avaliado.

Recomenda-se sempre não usar dados particulares da empresa; o ideal é utilizar as “lentes” de um participante de mercado, e não as da administração da empresa.

Outro aspecto que costuma gerar confusão refere-se à questão do imposto sobre a renda. Segundo a norma contábil, a taxa de desconto deve ser apurada antes dos impostos. Ocorre, no entanto, que a metodologia do WACC consiste em determinar a taxa após os impostos.

Na prática, o que se faz para se contornar essa incongruência entre a norma contábil e a teoria financeira é aplicar o WACC (que é uma taxa pós impostos) aos fluxos de caixa pós impostos. No entanto, é possível determinar uma taxa de desconto antes dos impostos implícita, usando o valor resultante do desconto dos fluxos de caixa após impostos com uma taxa de desconto após impostos. Esse cálculo deve ter o mesmo resultado da aplicação de uma taxa de desconto antes dos impostos a um fluxo antes de impostos. Essa sistemática se faz necessária, porque, conforme mencionado, os parâmetros utilizados na apuração do WACC são após impostos.

O terceiro ponto que costuma gerar confusão na apuração do valor recuperável refere-se à projeção de capital de giro utilizada no fluxo de caixa. Particularmente, o problema está nos saldos de partida dos ativos e passivos circulantes operacionais utilizados no primeiro ano da projeção. Sua raiz está no descasamento entre os ativos circulantes que fazem parte (ou não) da unidade geradora de caixa e os ativos circulantes projetados na variação de capital de giro.

O procedimento correto é considerar os saldos de partida dos ativos circulantes apenas caso eles façam parte da unidade geradora de caixa. Se um ativo circulante qualquer não fizer parte da unidade geradora de caixa e for utilizado na projeção de capital de giro, o correto é partir de um saldo zerado (e não o saldo efetivo do balanço de partida desse ativo).

Para exemplificar, consideremos o ativo circulante “contas a receber”. Caso faça parte da unidade geradora de caixa, então, no momento da projeção de capital de giro, o saldo de partida do “contas a receber” deve ser utilizado na projeção de capital de giro. Afinal de contas, se esse ativo faz parte da unidade geradora de caixa, então seu saldo de partida, ao ser considerado na projeção de capital de giro, irá contribuir para a geração de caixa no primeiro ano da projeção.

Por outro lado, caso o “contas a receber” não seja incluído na unidade geradora de caixa que está sendo testada, a projeção de capital de giro deve partir de um saldo zerado para o “contas a receber”. Caso isso não seja feito, teremos cometido o erro de considerar o saldo do “contas a receber” contribuindo para a geração do fluxo de caixa do primeiro ano da projeção sem o ativo correspondente pertencer a unidade geradora de caixa. Nesse caso, estaríamos superestimando a geração de caixa do primeiro ano de projeção pelo exato montante do saldo do “contas a receber”.

O quarto item refere-se a apuração do Valor em Uso ou o Valor Justo de uma unidade geradora de caixa qualquer. Sempre devemos levar em conta a capacidade de geração de caixa apenas dos ativos que fazem parte daquela unidade, e não qualquer ativo da entidade.

Existem outros assuntos que geram certas dúvidas nos testes de impairment mas, sem dúvida, a taxa de desconto e a projeção do capital de giro estão entre os principais temas. O importante é que o teste de impairment seja feito de forma cuidadosa e em linha com os requerimentos da norma.

Além dos temas mencionados acima, é igualmente importante que as projeções estejam amparadas por dados observáveis de mercado e em estudos fundamentados preparados pelos responsáveis pelo seu desenvolvimento, além de apropriadamente documentados, justificados e suportados por fontes de informação confiáveis, sejam elas internas ou externas – e, quando relevantes, sejam divulgados nas demonstrações financeiras.

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