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Combustíveis de baixo carbono: o último passo para o zero líquido

O papel dos combustíveis sintéticos na descarbonização dos céus e dos mares

Alcançar emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050 exige uma transformação fundamental da sociedade, sendo necessário mudar do atual modelo centrado em combustíveis fósseis para um sistema de energia eficiente, altamente renovável e eletrificado.


A descarbonização da aviação e do transporte marítimo requer combustíveis de baixo carbono – incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos – com maior densidade energética do que o hidrogênio e a eletricidade. No entanto, o hidrogênio limpo pode complementar a eletrificação em outros setores difíceis de abater ("hard to abate", na expressão em inglês), como siderurgia e produtos químicos.

Devido à intensa competição intersetorial por matéria-prima de biomassa sustentável limitada, espera-se que combustíveis sintéticos como amônia, metanol e querosene sintético se tornem as principais fontes de fornecimento de combustíveis de baixo carbono no longo prazo, permitindo a descarbonização da aviação e do transporte marítimo.

Combustíveis sintéticos: a chave para descarbonizar a aviação e o transporte marítimo

O relatório da Deloitte explora a adoção de combustíveis sintéticos como facilitadores-chave da descarbonização da aviação e do transporte marítimo, alavancando uma análise quantitativa baseada em dados e usando o HyPE (Hydrogen Pathway Explorer), modelo global de fornecimento e comércio de hidrogênio limpo e combustíveis sintéticos da Deloitte. Nessa ótica, a aviação experimenta emissões de CO2 estagnadas até 2030 e cerca de 75% de reduções de emissões até 2050, enquanto o transporte marítimo atinge quase zero líquido até 2050. Essas reduções de emissões são principalmente devido a medidas de eficiência e à adoção de combustíveis de baixo carbono, em particular combustíveis sintéticos.

Quase ausentes do mix de combustíveis atual, os combustíveis sintéticos teriam apenas um papel marginal em 2030, fornecendo 1,6 exajoules (dos 26 EJ consumidos). No entanto, eles aparecem como a principal fonte de energia até 2050, respondendo por quase 16 EJ de consumo de combustível.

Tais níveis de produção de combustível sintético exigem cerca de 150 milhões de toneladas de hidrogênio de baixo carbono e 700 milhões de toneladas de CO2 biogênico ou capturado pelo ar. Isso representa um grande desafio industrial e técnico, pois o setor de hidrogênio de baixo carbono ainda está no início e as tecnologias de captura de CO2 ainda não foram desenvolvidas em larga escala.

Importantes desafios tecnológicos, econômicos e financeiros ainda por superar

Embora os combustíveis sintéticos sejam a chave para a descarbonização da aviação e do transporte marítimo, eles ainda estão em um estágio inicial de implantação, com estruturas regulatórias quase inexistentes e custos significativamente mais altos do que os combustíveis fósseis.

Como primeiro passo, uma estrutura regulatória globalmente harmonizada é essencial para seu desenvolvimento nos setores inerentemente internacionais de aviação e transporte marítimo. Atingir tais níveis de suprimento sintético vem com necessidades significativas de investimento; em média, quase US$ 130 bilhões anualmente até 2050. Embora continue sendo uma pequena fração dos investimentos globais em combustíveis fósseis (US$ 1,1 trilhão em 2024), é comparável aos gastos gerais em combustíveis para aviação e transporte marítimo.

Sem apoio público, no entanto, os combustíveis sintéticos continuarão sendo de duas a dez vezes mais caros que os combustíveis fósseis convencionais devido à disponibilidade limitada de matérias-primas de CO2 de baixo custo e neutras em termos de clima, às ineficiências em seus processos de produção e à competição intersetorial por hidrogênio limpo.

A competitividade de custos dos combustíveis sintéticos é apenas uma parte dos desafios tecnológicos mais amplos da descarbonização da aviação e do transporte marítimo. Embora a descarbonização do setor da aviação não exija grandes mudanças na infraestrutura de reabastecimento ou nos motores das aeronaves, a descarbonização do transporte marítimo segue um futuro multicombustível composto de metanol e amônia. Isso requer tanto o uso da infraestrutura existente durante a transição quanto o desenvolvimento de novas tecnologias de abastecimento e motores e infraestrutura de reabastecimento. Os desafios tecnológicos associados à descarbonização, portanto, vão além do fornecimento de combustível.

A transição dos combustíveis fósseis na aviação e no transporte marítimo exige esforços coordenados e ambiciosos de todos os intervenientes na sua cadeia de valor:

Os formuladores de políticas desempenham um papel central na criação das condições iniciais, da estrutura regulatória necessária e do impulso contínuo. Eles devem criar visibilidade por meio de estratégias nacionais e setoriais, garantir a aquisição criando demanda por meio de mecanismos como mandatos de mistura e limites de emissão, além de reduzir o ônus econômico sobre diferentes atuantes, fornecendo suporte econômico para a produção e adoção de combustíveis de baixo carbono. A evolução contínua desses esquemas é crítica para garantir uma transição eficaz e de longo prazo.

Ao estabelecer conjuntos comuns de regra, as organizações internacionais estão idealmente posicionadas para dar suporte a uma transição global coordenada. Elas podem incentivar a criação de valor e, portanto, a adoção global de combustíveis sintéticos por meio de mecanismos de certificação robustos. Definições harmonizadas e comuns podem ajudar a evitar vazamento de carbono ou oportunidades de arbitragem.

Para atender à crescente demanda por combustíveis sintético, os fornecedores devem garantir proativamente matérias-primas de energia sustentáveis de baixo custo – incluindo hidrogênio limpo e CO2 neutro para o clima – por meio de investimentos iniciais e parcerias com upstream. Ao misturar biocombustíveis, principalmente durante a fase de criação da cadeia de valor dos combustíveis sintéticos, eles podem dar suporte à ampliação da tecnologia e ao desenvolvimento da infraestrutura necessária.

Os fabricantes de aeronaves e navios devem adaptar suas ofertas às necessidades de sustentabilidade. Isso significa garantir que motores de aeronaves que podem funcionar com altas misturas de combustíveis sintéticos e embarcações compatíveis com novos combustíveis, notadamente amônia e metanol, estejam sendo desenvolvidos. Além disso, eles devem desenvolver medidas de eficiência por meio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e integrá-las em seus processos de fabricação, reduzindo os custos de combustível e as emissões de CO2.

Aeroportos e autoridades portuárias são instrumentais na criação das bases para a adoção de combustíveis sintéticos ao colocar em prática a infraestrutura de reabastecimento necessária. Embora isso não exija nenhum desenvolvimento de infraestrutura específica para os aeroportos, os portos marítimos precisam habilitar uma infraestrutura multicombustível. Além disso, eles precisam garantir o fornecimento de combustíveis sustentáveis nas quantidades necessárias.

As empresas aéreas e as de transporte estão no centro da transição, conectando atividades upstream aos consumidores finais. Ao comercializar opções sustentáveis, elas podem iniciar a adoção de combustíveis e tecnologias de baixo carbono e trazer progresso coordenado entre todas as partes interessadas. Além disso, ao adotar medidas de eficiência operacional, elas podem obter economias significativas de combustível e reduzir custos e emissões, imediatamente no curto prazo.

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