O Brasil é globalmente considerado mercado-chave para a reversão de fatores causadores das mudanças climáticas. Apesar de avanços recentes abrirem caminho para o cumprimento dessa expectativa, persistem obstáculos atravancando, especialmente, iniciativas crucias para financiar a descarbonização na iniciativa privada. É o que sinaliza o estudo “Finanças Sustentáveis: desafios e oportunidades de investimento em baixo carbono” elaborado pela Deloitte, organização com o portfólio de serviços profissionais mais diversificado do mundo, e AYA Earth Partners, maior ecossistema de negócios de aceleração da economia de baixo carbono do país.
Do lado dos avanços, estão a crescente conscientização de agentes de mercado em torno da questão climática; o maior envolvimento governamental em discussões e regulamentações; e o desenvolvimento de novas linhas de crédito verde por instituições financeiras e estruturação de soluções financeiras capaz de reduzir o risco de projetos para destravar o capital privado; além da estruturação de soluções integradas a novas tecnologias por parte de players de mercado. De outro lado, como apontam os resultados do estudo “Finanças Sustentáveis”, muitas organizações não conhecem os seus verdadeiros impactos na mudança climática; e menos ainda mecanismos de financiamento verde disponíveis para apoiar na mitigação, adaptação e reparação climática. Em algumas, nem sequer se sabe como acessá-los no Brasil.
“A pesquisa nos ajuda a concluir que superar obstáculos, como a regulação de novos segmentos, além de mais acesso e conhecimento de mecanismos financeiros, podem impulsionar o Brasil como um dos líderes globais na transição verde. Diversas vantagens nos colocam à frente nesse processo, como a matriz elétrica e energética já amplamente baseada em fontes renováveis, a maior floresta tropical do mundo e oportunidades de inovação verde no agronegócio. Ficar para trás nesse processo significaria perder enormes oportunidades dentro e fora do país. O caminho que se coloca é o do fortalecimento da colaboração e o trabalho conjunto de todas as partes do ecossistema em torno da economia de baixo carbono”, destaca Luiz Paulo Assis, sócio de Financial Advisory da Deloitte.
Há, portanto, papel decisivo por parte das instituições financeiras, organizações de mercado local e organismos multilaterais em direcionar o mercado a destravar esses potenciais. Há a necessidade, ainda, de iniciativa privada e sociedade assimilarem a urgência de uma transição energética em atividades cotidianas.
A base para essa análise está numa ampla pesquisa realizada em três etapas. A primeira consistiu na aplicação de um extenso questionário online junto a 102 empresas – sendo que 87% dos respondentes são executivos e executivas em posição de alta liderança em negócios com atuação no Brasil. A segunda incluiu entrevistas individuais com 28 tomadores de decisão e formadores de opinião, representantes de empresas, fundos de capital de risco e especialistas em sustentabilidade. Por fim, um workshop realizado na capital paulista, na sede da AYA Earth Partners, reuniu mais de 20 participantes, entre os quais líderes de empresas e de instituições de impacto e trouxe mais insights para a discussão.
“Precisamos avançar rápido com novas fontes de recursos e pensar o carbono de maneira mais abrangente, com foco no desenvolvimento econômico. A AYA Earth Partners busca justamente essa articulação no setor privado, fortalecendo o diálogo entre as empresas e reunindo evidências que possam legitimar o Brasil como nova potência de insumos ecológicos para o mundo.
Já passou o tempo de entendermos que o futuro do mundo não será baseado em petróleo e que é o momento do Brasil prosperar mundialmente com uma economia baseada nas soluções da natureza com apostas certeiras e em escala na bioeconomia, na agricultura sustentável e na economia de baixo carbono. Para que isso aconteça, é preciso que a iniciativa privada encontre modelos mais colaborativos, que resultem em soluções inovadoras e mais sustentáveis,” aponta Patricia Ellen, cofundadora da AYA Earth Partners.
Confira os principais insights da pesquisa:
Falta compreensão de líderes empresariais sobre questão climática nos negócios. Ainda é preciso clareza de lideranças sobre o impacto das empresas geridas por elas no processo de descarbonização e o papel a ser assumido nessa frente. Verifica-se desconhecimento sobre os mecanismos de financiamento verde ou sustentáveis e como podem ser acessados no Brasil, como financiamento misto e títulos verdes. De outro lado, fundadores de startups entrevistados para o estudo demonstraram descontentamento sobre o desconhecimento de gestores de fundos sobre o tema, durante rodadas de captações ou discussões sobre o desenvolvimento de tecnologias para descarbonização, por exemplo.
Financiamento verde ou sustentável é pouco utilizado, conhecido e ofertado. Entre os respondentes do questionário, apenas 10% já acessaram mecanismos de financiamento verde. A maioria (73%) diz não ter acesso a essas opções de financiamento e 10%, não saber sequer onde encontrá-los. Apesar de riscos climáticos e de transição energética já fazerem parte das avaliações em algumas instituições financeiras, a falta de regulamentação sobre créditos de carbono dificulta o acesso às linhas de financiamento. A falta de taxonomia local – ou seja, de sistemas para identificar e qualificar objetos de investimentos verde – também é um obstáculo e os reguladores poderiam contribuir oferecendo incentivos. Neste sentido, cabe destacar que já houve uma evolução, uma vez que o Governo Federal lançou uma consulta pública para taxonomia e possui um cronograma de implementação.
Linhas de crédito subsidiadas e equity (capital) estão entre opções para executar projetos de descarbonização. Quando questionados de que maneira suas empresas pretendem captar recursos para financiar projetos de descarbonização, 35% afirmam que não pretendem executar tais projetos. As formas de captação de recursos apontadas pelos que almejam apostar em projetos de descarbonização foram: linhas de crédito subsidiadas (28%), aporte de capital dos sócios (27%), empréstimos e financiamentos (21%), aportes via fundos de investimento (19%), emissão de títulos de dívida verdes (15%), aporte de recursos a fundo perdido (13%), oferta pública na bolsa de valores (6%) e emissão de títulos de dívida tradicionais (5%).
Mercado de carbono atrai interesse e participação, mas ainda há obstáculos. Enquanto 20% dos respondentes do questionário já utilizam mecanismos de compensação voluntária de emissão de carbono, 18% estudam utilizá-los. Ainda há obstáculos para que percentuais como esses possam crescer, como falta de regulamentação no Brasil, precariedade da infraestrutura amazônica, custos elevados de projetos de reflorestamento. De qualquer modo, apenas 4% desses respondentes indicaram ter estudado utilizar os mecanismos existentes e concluído que os benefícios não compensavam os custos.
Além da alocação de capital estar mais complexa, investimentos devem mirar longo prazo. Teses de investimento em tecnologias verdes ou outras iniciativas relacionadas à questão climática demandam prazos de retorno mais longos do que os tradicionalmente praticados por fundos de investimento em geral, especialmente private equity ou venture capital. Consolidar essa percepção no mercado será um grande desafio. Isso precisaria ocorrer em meio a um cenário ainda mais complexo, com: aumento nos custos de capital e inflação global; impacto do cenário global na economia brasileira; e substituição gradativa do capitalismo acionário pelo capitalismo dos stakeholders. É necessário que os investidores façam investimentos mais “pacientes”, de longo prazo, para desenvolver uma economia de baixo carbono.
Relevância do governo para desenvolver uma economia de baixo carbono no Brasil. A maioria dos respondentes do questionário (81%) concorda, parcial ou completamente, que falta ação do governo para promover uma economia de baixo carbono no Brasil. Já 75% acreditam que deveria haver incentivos fiscais. A ausência de regulamentação para créditos de carbono é apontada como obstáculo para investimentos. A regulamentação das instituições financeiras poderia incentivar boas práticas ambientais por meio de requisitos de capital diferenciados para financiamento verde. Líderes entrevistados indicaram incertezas em relação a aspectos fiscais, com menções específicas relacionadas ao hidrogênio e ao mercado de créditos de carbono. Na visão de alguns deles, desseguindo o caminho combinado de ações da Europa (focado em regulação)e Estados Unidos (focado em incentivos), o governo brasileiro precisa desempenhar um papel mais proativo na direção da agenda da economia de baixo carbono com um plano bem definido utilizando mecanismos de regulação combinados com incentivos.
Entrevistados apontam baixa oferta tecnológica para descarbonização. Mais da metade (56%) dos respondentes acreditam que a oferta de tecnologias de descarbonização que possam ser aplicadas em seu setor é baixa ou nenhuma, 63% indicam que o grau de maturidade das tecnologias de baixo carbono disponíveis em seu segmento é baixo ou muito baixo – o que confirma haver amplo espaço no Brasil para investimentos em tecnologias de descarbonização. Os números apresentam a oportunidade de amadurecimento de tecnologias de descarbonização no País em consonância com diversos cenários positivos ao tema, como a crescente conscientização por parte de agentes de mercado sobre papeis e oportunidades em torno da questão climática; o maior envolvimento de governos federal e estaduais nas discussões e regulamentações; o desenvolvimento de novas linhas de crédito verde por instituições financeiras; e a estruturação de soluções integradas a novas tecnologias por parte de players de destaque no mercado.
Incorporação de critérios ESG ganha espaço, mas ainda há lacunas na estratégia em direção a uma economia de baixo carbono. 35% das empresas consideram aspectos sociais e ambientais, além dos financeiros, em todos os projetos. O monitoramento de indicadores e ações ESG é feito por 67% dos respondentes. Entre os que adotam essa iniciativa, metade não divulga essas métricas. Para 76%, investimentos nesse sentido representam um imperativo moral e positivo para os resultados da organização. Uma parcela bem menor, no entanto, já estruturou planos de zerar ou compensar todas as emissões até 2050 ou em período anterior e já os colocaram em execução: 37% da amostra. De acordo com o levantamento, 43% não têm planos elaborados ou em preparação. Quando questionados sobre os principais aspectos considerados nas decisões estratégicas das empresas, quase metade (47%) aponta a redução dos impactos ambientais; 46% apontam retorno financeiro. Um terço (31%) considera que o potencial de sua organização para contribuir de maneira positiva no combate às mudanças climáticas é elevado; para 24%, o potencial é muito elevado. 38% consideram esse potencial baixo, enquanto 7% o consideram nulo ou muito baixo. Mais da metade (57%), tem planos de reduzir suas emissões de carbono, enquanto 24% dizem não ter; 19% não souberam responder.
Há resistência de stakeholders na implementação de projetos ligados à descarbonização. 68% dos respondentes reconhecem esse tipo de bloqueio para implementação de projetos de investimento relacionadas à descarbonização nas instâncias decisórias ou em algum ponto de sua cadeia de valor. Para 26% deles, o obstáculo está na alta diretoria e 23% apontam falta de apoio entre os acionistas. Para alguns, o problema está fora da companhia: 29% encontram dificuldades com fornecedores.
Formação de lideranças e equipes é lacuna em aberto. Existe a percepção de que a formação de líderes empresariais, gestores de ativos e investidores sobre as mudanças climáticas e os impactos em seus negócios e na economia como um todo poderia acelerar o movimento em direção a uma virada sustentável. Mais da metade (51%) dos entrevistados, no entanto, não promovem capacitação referente à descarbonização ou iniciativas sustentáveis. Por outro lado, 49% das empresas afirmam realizar capacitações referentes à descarbonização ou ação verdes. Seja por treinamento online e-learnings (74%), treinamentos presenciais com especialistas (50%), webinares (40%), newsletters periódicas com os temas (32%), dinâmicas que envolvam toda a equipe (32%) e workshop com key speakers (24%).
Colaboração em ecossistema é necessária para se obter avanços. Além de disseminar conhecimento por toda a rede desse ecossistema, outra oportunidade importante está em promover mais colaboração. Uma amostra do tamanho dessa lacuna aparece no grupo de 46% de empresas respondentes que afirmam estar distantes de universidades ou institutos de pesquisa especializados em tecnologias de descarbonização. Na outra ponta desse espectro de colaboração para inovação, e reforçando a necessidade dessa tendência, outros 42% dizem estar próximos ou muito próximos. Segundo um entrevistado, a maioria dos cientistas brasileiros está na academia, e não no setor privado, diferentemente do que acontece em outros países como a China.
Sobre o estudo
A pesquisa ‘Finanças Sustentáveis’ foi realizada em três frentes principais: a primeira consistiu na aplicação de um extenso questionário online junto a 102 empresas – sendo que 87% dos respondentes são executivos e executivas em posição de alta liderança em negócios com atuação no Brasil. A segunda incluiu entrevistas individuais com 28 tomadores de decisão e formadores de opinião, representantes de empresas, fundos de capital de risco e especialistas em sustentabilidade. Por fim, um workshop realizado na capital paulista, na sede da AYA Earth Partners, reuniu mais de 20 participantes, entre os quais líderes de empresas e de instituições de impacto e trouxe mais insights para a discussão.
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