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CESOP: Um ano depois – o que já sabemos e o que falta ajustar

Artigo TaxLab

Autores: Luis Pinto, Associate Partner e Beatriz Marques, Manager

Na senda de outros regimes associados ao “novo” paradigma da transparência fiscal, a Lei n.º 81/2023, de 28 de dezembro, transpôs para a legislação interna o regime do CESOP (acrónimo em inglês), o qual veio introduzir uma nova obrigação de reporte de informações sobre pagamentos transfronteiras, com o intuito de combater a fraude fiscal em sede de IVA na União Europeia, em especial no que concerne ao comércio eletrónico.

Este regime, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de janeiro de 2024, impõe aos prestadores de serviços de pagamento (“PSP”) a operar em Portugal, em conformidade com a Diretiva Europeia 2020/284, do Conselho, de 18 de fevereiro, o dever de comunicar trimestralmente à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) um conjunto de informações detalhadas sobre determinadas operações transfronteiras em que intervenham os seus clientes, as quais são posteriormente transmitidas ao CESOP (uma base de dados europeia com vista ao tratamento conjunto da informação recebida pelos vários Estados-Membros) para posterior validação/análise.

Em regra, a comunicação deve ser feita pelo PSP do beneficiário quando o ordenante está situado num Estado-Membro da União Europeia. Alternativamente, a comunicação recai sobre o PSP do ordenante situado na União Europeia quando o beneficiário não esteja localizado num Estado-Membro.

Resumidamente, essa comunicação deve ocorrer sempre que, num determinado trimestre, se verifique que foram realizadas mais de 25 operações transfronteiras (i.e., transferências a crédito, débitos diretos, envio de fundos, pagamentos com cartão, moeda eletrónica e pagamentos em marketplaces) por beneficiário.

Aproximadamente um ano após a introdução deste regime, e já com os quatro reportes trimestrais referentes a 2024 concluídos, uma análise retrospetiva revela que, embora a implementação do CESOP tenha um objetivo virtuoso, a sua aplicação prática tem imposto um ónus significativo sobre os PSPs, criando uma carga adicional considerável para os mesmos.

Entre os principais desafios, destacam-se:

1.       Dificuldades na recolha da informação obrigatória: se, em teoria, o regime prevê o princípio de que os PSPs não terão de recolher mais informação e/ou informação mais detalhada do que aquela que já recolhem no âmbito da sua atividade corrente, a verdade é que continuam a existir situações em que a mesma se encontra dispersa, sendo nestes casos necessários desenvolvimentos adicionais às bases de dados dos PSPs.

Por outro lado, quando as operações envolvem vários intermediários, a informação sobre os beneficiários pode não estar imediatamente disponível para os PSPs, o que adiciona complexidade ao processo de recolha de dados e à sua posterior validação.

Ademais, este tema é particularmente desafiante quando a comunicação recai sobre o PSP do ordenante, que não tem acesso (direto) às informações sobre os beneficiários das operações. Como o PSP do ordenante não tem uma relação direta com os beneficiários e depende exclusivamente das informações que o ordenante fornece ao emitir a ordem de pagamento, a obtenção de dados completos e precisos pode ser complexa, o que pode resultar em inconsistências/imprecisões nos dados a reportar e dificultar a garantia da qualidade dos mesmos. Veja-se, por exemplo, o caso das operações de pagamentos com cartões em que uma ligeira alteração na identificação do comerciante poderá limitar os esforços de agregação das operações (e.g. "XPTO, S.A.", "XPTO" ou "XPTO,SA").

2.      Formação e adaptação dos sistemas: a implementação do CESOP tem exigido, por parte dos PSPs, formação e sensibilização das equipas envolvidas, além de algumas adaptações significativas ao nível dos seus sistemas de informação. Atentas tais especificidades, os PSPs continuam a ter de investir nestas áreas e manter planos de comunicação e sensibilização interna devidamente atualizados, bem como assegurar a adaptação constante dos seus sistemas/bases de dados, para assegurar uma transição eficaz e a correta recolha das informações necessárias para o preenchimento dos reportes, incluindo a uniformização dos dados de forma a minimizar discrepâncias e a garantir a qualidade dos mesmos.

3.       Limitação de 40.000 operações por ficheiro de reporte: em termos de reporte de informação, a AT impõe uma limitação que restringe cada ficheiro XML a um máximo de 40.000 operações. Ora, para PSPs que processam volumes muito elevados de transações, essa restrição exige a divisão das operações em diversos ficheiros, o que aumenta a complexidade e esforço associado ao reporte do CESOP. Saliente-se, ainda, a este propósito, que a limitação de ficheiros a nível europeu é de um gigabyte, o que, caso este limite fosse adotado pela AT, permitiria à maioria dos PSPs portugueses efetuar o reporte apenas num único ficheiro XML, com as sinergias daí resultantes.

Não existindo regras concretas para a divisão das transações por diferentes ficheiros XML, poderá pensar-se que é possível reportar um mesmo beneficiário em diferentes ficheiros. A verdade é que tal não é possível, na medida em que existindo o mesmo beneficiário em vários ficheiros, é gerado pelo sistema da AT um erro. Os PSPs terão, assim, de acautelar, devidamente, que não é transposto para o ficheiro seguinte um beneficiário já incluído noutro(s) ficheiro(s) de reporte. Resta a dúvida – ainda que a sua aplicação prática seja reduzida – e de saber como proceder se um beneficiário tiver mais de 40.000 transações num determinado trimestre.

4.       Notificações de correção e a gestão dos prazos: atualmente a AT comunica aos PSPs erros nos ficheiros de reporte submetidos através de e-mail – metodologia, aliás, comum no universo dos reportes que incidem sobre a troca automática de informações . No entanto, quando são enviados múltiplos e-mails de correção (em datas distintas) referentes a ficheiros pertencentes ao mesmo reporte, surge a dificuldade prática em determinar de que forma deve ser feita a contagem do prazo para efetuar as correções solicitadas – algo que ainda não foi devidamente clarificado e que pode resultar em coimas para os PSPs.

5.       Alterações nas versões dos ficheiros XML: desde a entrada em vigor do regime, foi entretanto publicada uma nova versão do formato XML exigido para os ficheiros de reporte (v5.00). A adoção desta atualização implica não apenas adaptações técnicas, mas também uma reparametrização dos sistemas por parte dos PSPs num curto espaço de tempo (relembre-se que o regime entrou em vigor há pouco mais de 1 ano).

6.       Elevada componente manual: tanto a extração de dados, como a agregação e a partição dos ficheiros para reporte, continuam a ser processos altamente manuais para muitos PSPs. Além disso, a necessidade de diferentes extrações e validações, consoante as tipologias de pagamento, torna ainda mais difícil a automação (que se pretende) deste processo, aumentando não apenas a complexidade/esforço adicional por parte dos PSPs, mas também o risco da existência de erros, com as consequências daí decorrentes.

7.       Falta de canal adequado para exposição/clarificação de dúvidas: na prática, os PSP enfrentam dificuldades na obtenção de esclarecimentos sobre aspetos práticos do CESOP. Embora existam guidelines orientadores emanados da Comissão Europeia, estes não são vinculativos e, em alguns casos particulares, não respondem em concreto às questões que se colocam. Por outro lado, a clarificação/exposição de dúvidas à AT é realizada predominantemente por e-mail (face à inexistência de canais/fóruns apropriados para o efeito), muitas vezes sem resposta ou com respostas não tempestivas para as situações que se apresentam.

Em suma, a implementação do CESOP em Portugal é um passo importante para reforçar a transparência e combater a evasão fiscal nas operações de pagamento transfronteiras. No entanto, as limitações atuais na sua implementação prática, como a dificuldade de recolha de informação, as restrições técnicas, a elevada carga manual envolvida no processo e canais de comunicação pouco eficientes, requerem ajustes para maximizar a eficácia do regime. Embora a implementação tenha um objetivo virtuoso, é evidente que a evolução do CESOP requer esforços contínuos para simplificar processos e fornecer orientações mais claras. A experiência acumulada até agora deve orientar futuras adaptações para que o regime alcance a sua plena eficácia sem sobrecarregar em demasia os PSPs.

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