O Governo submeteu a consulta pública, em 25 de setembro de 2025, o projeto de decreto-lei que visa a transposição parcial da Diretiva (UE) 2023/2413 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de outubro de 2023 – “Diretiva RED III” –, que veio reforçar o quadro normativo europeu para a promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis.
A Diretiva RED III (Renewable Energy Directive III), em vigor desde 20 de novembro de 2023, é a terceira versão da Diretiva da União Europeia sobre o uso de energias renováveis, parte da estratégia para cumprir os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e do Acordo de Paris. Esta Diretiva tem como principal objetivo reforçar o compromisso dos Estados-Membros em aumentar a quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia (para o qual estabelece a meta de, pelo menos, 42,5% de energia renovável até 2030) e nos setores do aquecimento e arrefecimento, indústria e transportes, visando a neutralidade climática até 2050. Para atingir este objetivo, a Diretiva RED III estabelece:
- medidas para acelerar o desenvolvimento das energias renováveis, incluindo a simplificação de procedimentos de licenciamento de projetos de energias renováveis (as quais foram já transpostas para o ordenamento jurídico nacional pelo Decreto-Lei n.º 99/2024, de 3 de dezembro);
- critérios de sustentabilidade e de redução de emissões de gases com efeito de estufa para a produção e utilização de biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos, bem como para combustíveis renováveis de origem não biológica e combustíveis de carbono reciclado; e
- a introdução de determinados mecanismos de rastreabilidade e transparência na utilização de fontes de energia renováveis.
A submissão do projeto à consulta pública decorre de notificação formal da Comissão Europeia a vários Estados-Membros, incluindo Portugal, por não terem comunicado a transposição completa da Diretiva RED III até à data limite para a transposição, i.e., 21 de maio de 2025.
Atentando no projeto legislativo em consulta pública, destacam-se as seguintes medidas:
- Atualização das metas nacionais (e definição das regras específicas para a respetiva contabilização e concretização) relativas à quota das energias renováveis no consumo final bruto de energia em Portugal, bem como nos edifícios, na indústria, no aquecimento e arrefecimento e nos transportes, nos seguintes termos:
- Portugal estabeleceu um objetivo vinculativo mínimo de 49% para o consumo final bruto de energia proveniente de fontes renováveis até 2030 (sendo que o PNEC 2030 mantém uma ambição política de 51%);
- Quota de energia de origem renovável a utilizar nos edifícios para 2030 - igual ou superior a 49% (meta indicativa);
- Quota de utilização de energia proveniente de fontes renováveis no setor da indústria, para fins energéticos e não energéticos, para 2030 – deve corresponder, no total, a um aumento de 16 p.p. Para o cumprimento desta quota, o contributo dos combustíveis renováveis de origem não biológica, deve incluir, no mínimo, as seguintes percentagens de hidrogénio renovável: 42% até 2030, e 60% até 2035;
- Quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia no setor do aquecimento e arrefecimento – no mínimo, 46%, a partir de 2025, e 63%, a partir de 2029;
- Quota de energia de fontes renováveis no consumo final de energia no setor dos transportes para 2030 - pelo menos 29%, incluindo metas específicas de incorporação de energia de fontes renováveis no transporte rodoviário, ferroviário e marítimo.
- Reforço dos critérios de sustentabilidade e de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) aplicáveis à produção e utilização de biocombustíveis, biolíquidos, biomassa, combustíveis renováveis de origem não biológica e combustíveis de carbono reciclado
- A responsabilidade pela verificação do cumprimento destes critérios cabe ao Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I. P. (LNEG, I. P.), que continuará a desempenhará as funções de entidade coordenadora do cumprimento dos critérios de sustentabilidade (ECS).
- Introdução de mecanismos de rastreabilidade e transparência na utilização de fontes renováveis de energia, incluindo:
- Regras aplicáveis à divulgação de medidas de apoio e programas de informação; e
- Regulação dos mecanismos de emissão de garantias de origem para (i) eletricidade a partir de fontes renováveis; (ii) energia de aquecimento ou arrefecimento a partir de fontes de energia renováveis; (iii) gases de baixo teor de carbono e para gases de energia renovável; e (iv) produção de energia em instalações de cogeração de elevada eficiência.
- As garantias de origem, destinadas a provar ao consumidor final que uma dada quota ou quantidade de energia foi produzida a partir de fontes renováveis, são emitidas através de um documento eletrónico e podem ser transacionadas pelo respetivo titular fisicamente separadas da energia que lhes deu origem, sendo válidas para transações durante 12 meses após a produção da unidade de energia a que respeitam.
- Introdução de novas regras aplicáveis à cooperação entre Estados-Membros e com países terceiros no âmbito da promoção de energia de fontes renováveis, incluindo:
- A possibilidade do Governo, mediante proposta do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvida a ERSE, acordar com um Estado-Membro da União Europeia a transferência estatística de uma quantidade específica de energia de fontes renováveis;
- A obrigação de o Governo estabelecer, até 31 de dezembro de 2025, um regime de cooperação com outros Estados-Membros para desenvolvimento de projetos conjuntos relacionados com a produção de eletricidade, aquecimento ou arrefecimento a partir de fontes de energia renováveis, no território nacional ou no território de outro Estado-Membro, devendo ser estabelecidos, pelo menos, 2 projetos em conjunto até 31 de dezembro de 2030, e até 31 de dezembro de 2033, se o consumo anual de eletricidade nacional for superior a 100 TWh, procurar estabelecer um terceiro projeto conjunto;
- A obrigação de os operadores privados que pretendam realizar projetos conjuntos em território nacional formularem, junto da DGEG, antes da apresentação do pedido de licenciamento do referido projeto, um pedido de apreciação prévia quanto à viabilidade de a energia produzida ser parcial ou totalmente considerada para a contabilização da meta nacional do outro Estado-Membro;
- A possibilidade de o Governo, na sequência de proposta do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvida a ERSE, em conjunto, ou não, com outros Estados-Membros e com operadores privados, poder acordar com países terceiros à União Europeia o desenvolvimento de um projeto conjunto relacionado com a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis.
O projeto de Decreto-Lei em causa prevê a revogação, entre outros diplomas, do Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, que estabelece o regime aplicável ao consumo de energia proveniente de fontes renováveis; e do Decreto-Lei n.º 85/2025, de 24 de junho, que define metas de integração de energia proveniente de fontes renováveis para os setores da indústria e dos transportes.
Esta transposição da Diretiva RED III para o quadro jurídico nacional representa um passo fundamental na consolidação da estratégia nacional de transição energética e descarbonização, alinhando o país com os objetivos europeus. No entanto, implica diversos desafios estruturais. Em primeiro lugar, o país terá de garantir o cumprimento da meta ambiciosa de 49% do consumo final bruto de energia proveniente de energias renováveis até 2030. Para isso, será necessário simplificar e agilizar os processos de licenciamento de projetos de energias renováveis, adaptando os procedimentos administrativos para assegurar a implementação eficaz dos projetos. Além disso, Portugal terá de assegurar que os biocombustíveis e outros combustíveis renováveis utilizados cumprem critérios ambientais rigorosos, o que implica uma monitorização constante e uma fiscalização eficaz. Outro desafio importante é o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias emergentes, como o hidrogénio verde, que exigem investimento, inovação tecnológica e a criação de uma infraestrutura adequada. A integração das energias renováveis nos setores de aquecimento, arrefecimento e transportes também representa um desafio, dada a complexidade da descarbonização nestes setores. Por fim, será fundamental reforçar as capacidades institucionais e financeiras das entidades supervisoras para garantir a implementação, monitorização e reporte eficazes das medidas previstas, bem como assegurar os investimentos necessários para cumprir os objetivos previstos.
O diploma permanecerá em consulta pública até 25 de outubro de 2025 e pode ser consultado aqui.