A nova legislação de preços de transferência deve mudar radicalmente a forma como as empresas brasileiras testam a adequação dos preços praticados em operações com entidades vinculadas no exterior, bem como suas operações com demais residentes em países com tributação favorecida.
O objetivo é o alinhamento às regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O modelo de implantação e o plano para sua implantação foram apresentados pela Receita Federal em abril (ver quadro), em evento público organizado em conjunto com o Ministério da Economia e Governo do Reino Unido.
É um momento propício para inventariar transações e políticas de preços intercompany adotadas atualmente, planejando e antecipando impactos advindos do novo modelo e, quando aplicável, alterando modelos atualmente implementados através de melhorias ou completa reformulação.
Entre os pontos apresentados na ocasião, os quais devem integrar o Projeto de Lei ou Medida Provisória que está em vias de ser apresentado pelo ou para o Congresso Nacional, a depender do instrumento utilizado, as principais mudanças propostas pela Receita para este novo sistema contemplariam:
Tópico | Modelo atual | Modelo proposto |
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Princípio Arm’s Lenght (ALP) |
Alinhamento parcial ao princípio, que visa determinar o preço que seria praticado entre partes independentes. |
Pleno alinhamento ao princípio, conforme estabelecido nas diretrizes de preços de transferência da OCDE. |
Métodos de preços de transferência |
Possibilidade de aplicação apenas dos métodos atualmente previstos nas regras locais. |
Possibilidade de aplicação de todos os métodos reconhecidos pela OCDE, como o Transactional Net Margin Method (TNMM) e o Profito Profit Split Method (PSM). |
Possibilidade de escolha do método de cálculo que apresente o resultado mais benéfico. |
Necessidade de escolha do método mais apropriado (que apresente o resultado mais consistente). |
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Parte testada necessariamente precisa ser o contribuinte brasileiro. |
Parte testada poderá ser o contribuinte brasileiro ou a entidade no exterior. |
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Análise de comparabilidade |
Modelo baseado em margens de lucratividade fixas, pré-definidas por setor de atividade econômica. |
Modelo baseado em comparáveis de mercado, a partir dos riscos e funções assumidos por cada entidade. |
Ajustes de preços de transferência | Previsão apenas para a realização dos ajustes às bases tributáveis ao final do exercício fiscal, com base nos resultados apurados através dos métodos. | Previsão para: i) ajustes primários, a serem realizados em eventual descumprimento do ALP; ii) ajustes secundários, para compensar eventual excesso/falta de lucratividade via nota de débito/crédito; e iii) ajustes de eliminação dos efeitos de dupla tributação, através de procedimentos administrativos. |
Commodities | Existência de método de cálculo específico para commodities, com definição da amplitude de produtos sendo realizada primordialmente pela RFB. | Existência de método de cálculo específico para commodities, com definição da amplitude de produtos sendo realizada primordialmente com base nas práticas de mercado. |
Intangíveis | Inexistência de método ou procedimentos específicos para intangíveis, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Previsão para exclusão de certos royalties da aplicação das regras de preços de transferência. | Definição do conceito de intangível para fins de preços de transferência e aplicação de conceitos específicos para estas transações, incluindo direcionamentos para os casos em que ocorra a inaplicabilidade das regras. Introdução do conceito DEMPE (development, improvement,maintenance, protection, and exploitation) como base para precificação de intangíveis/royalties. |
Serviços intragrupo | Inexistência de método ou procedimentos específicos para serviços intragrupo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. | Definição dos serviços intragrupo sujeitos às regras de preços de transferência, com orientações sobre a centralização de serviços e as possíveis formas de cobrança. Serviços de baixo valor agregado terão safe harbor específico. |
Contratos de compartilhamento de custo | Inexistência de método ou procedimentos específicos para compartilhamentos de custo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. | Definição do conceito de contrato de compartilhamento de custo voltado à prestação de serviços ou desenvolvimento de intangíveis, com regras específicas para determinação dos participantes e respectivas compensações. |
Contratos de compartilhamento de custo | Inexistência de método ou procedimentos específicos para compartilhamentos de custo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. | Definição do conceito de contrato de compartilhamento de custo voltado à prestação de serviços ou desenvolvimento de intangíveis, com regras específicas para determinação dos participantes e respectivas compensações. |
Reestruturação de negócios | Inexistência de método ou procedimentos específicos para reestruturações de negócios, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. | Inclusão de regras específicas para a reestruturação de negócios, principalmente nos casos em que as transferências de riscos e funções resultem em perda de lucratividade, em que serão determinadas possíveis compensações. |
Transações financeiras | Regras voltadas majoritariamente aos juros decorrentes dos contratos de mútuo, não havendo regras específicas para demais transações financeiras. | Inclusão de regras voltadas a outros tipos de transações, tais quais operações de dívida, cash pooling, garantias, seguros, etc. |
Segurança jurídica em matéria tributária | Safe harbors limitados a situações bastante específicas e exclusivamente no âmbito das exportações. Ausência de previsão para Advance Pricing Agreements (APA). | Ampliação das possibilidades de safe harbor, dispensando ou simplificando a documentação de preços de transferência nos casos em que determinadas transações atendam os requisitos pré-estabelecidos. Previsão para a realização de Advance Pricing Agreements (APA). |
Formalização dos estudos | O resultado do estudo de preços de transferência é declarado anualmente por meio de formulários na Escrituração Contábil Fiscal (ECF). | O resultado do estudo de preços de transferência passaria a ser formalizado também através do Master File (relatório contendo a visão geral das transações e regras de precificação do grupo multinacional) e do Local File (relatório que demonstra o atendimento ao princípio arm’s length por parte de entidade sob análise). |
Brasil x OCDE
Instituídas por meio da Lei 9.430/96, as normas de preços de transferência brasileira estabelecem parâmetros para nortear transações entre empresas domiciliadas no Brasil e as não residentes, e/ou partes não relacionadas residentes em países com tributação favorecida.
O principal objetivo é coibir a evasão de recursos para países estrangeiros, passível de ocorrer mediante a manipulação dos preços praticados em transações com partes relacionadas residentes no exterior, que poderiam implicar em redução da base tributável no país.
O sistema brasileiro foi inspirado em diretrizes da OCDE sobre preços de transferência disponíveis em 1996, e veio incorporando algumas evoluções desde então – mas não incorporou o progresso das orientações encontradas nessas diretrizes.
Como parte do processo de acessão do Brasil à OCDE, as autoridades fiscais brasileiras vinham atuando, desde fevereiro de 2018, em um projeto conjunto com o órgão, que teve por objetivo identificar as semelhanças e divergências entre suas respectivas abordagens de preços de transferência. Foram identificadas diversas lacunas significativas em relação ao sistema internacional, podendo dar origem a casos de dupla tributação, bem como a oportunidades de erosão da base tributável.