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Novas regras de preço de transferência e o impacto sobre as empresas brasileiras

Por Carlos Ayub e Gustavo Rotta, sócios de Consultoria Tributária da Deloitte; e Paulo Motta, gerente sênior de Consultoria Tributária da Deloitte

A nova legislação de preços de transferência deve mudar radicalmente a forma como as empresas brasileiras testam a adequação dos preços praticados em operações com entidades vinculadas no exterior, bem como suas operações com demais residentes em países com tributação favorecida.

O objetivo é o alinhamento às regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O modelo de implantação e o plano para sua implantação foram apresentados pela Receita Federal em abril (ver quadro), em evento público organizado em conjunto com o Ministério da Economia e Governo do Reino Unido.

É um momento propício para inventariar transações e políticas de preços intercompany adotadas atualmente, planejando e antecipando impactos advindos do novo modelo e, quando aplicável, alterando modelos atualmente implementados através de melhorias ou completa reformulação.

Entre os pontos apresentados na ocasião, os quais devem integrar o Projeto de Lei ou Medida Provisória que está em vias de ser apresentado pelo ou para o Congresso Nacional, a depender do instrumento utilizado, as principais mudanças propostas pela Receita para este novo sistema contemplariam:

Tópico Modelo atual Modelo proposto
Princípio Arm’s Lenght (ALP)
Alinhamento parcial ao princípio, que visa determinar o preço que seria praticado entre partes independentes.
Pleno alinhamento ao princípio, conforme estabelecido nas diretrizes de preços de transferência da OCDE.
Métodos de preços de transferência
Possibilidade de aplicação apenas dos métodos atualmente previstos nas regras locais.
Possibilidade de aplicação de todos os métodos reconhecidos pela OCDE, como o Transactional Net Margin Method (TNMM) e o Profito Profit Split Method (PSM).
  Possibilidade de escolha do método de cálculo que apresente o resultado mais benéfico.
Necessidade de escolha do método mais apropriado (que apresente o resultado mais consistente).
  Parte testada necessariamente precisa ser o contribuinte brasileiro.
Parte testada poderá ser o contribuinte brasileiro ou a entidade no exterior.
Análise de comparabilidade
Modelo baseado em margens de lucratividade fixas, pré-definidas por setor de atividade econômica.
Modelo baseado em comparáveis de mercado, a partir dos riscos e funções assumidos por cada entidade.
Ajustes de preços de transferência Previsão apenas para a realização dos ajustes às bases tributáveis ao final do exercício fiscal, com base nos resultados apurados através dos métodos. Previsão para: i) ajustes primários, a serem realizados em eventual descumprimento do ALP; ii) ajustes secundários, para compensar eventual excesso/falta de lucratividade via nota de débito/crédito; e iii) ajustes de eliminação dos efeitos de dupla tributação, através de procedimentos administrativos.
Commodities Existência de método de cálculo específico para commodities, com definição da amplitude de produtos sendo realizada primordialmente pela RFB. Existência de método de cálculo específico para commodities, com definição da amplitude de produtos sendo realizada primordialmente com base nas práticas de mercado.
Intangíveis Inexistência de método ou procedimentos específicos para intangíveis, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Previsão para exclusão de certos royalties da aplicação das regras de preços de transferência. Definição do conceito de intangível para fins de preços de transferência e aplicação de conceitos específicos para estas transações, incluindo direcionamentos para os casos em que ocorra a inaplicabilidade das regras. Introdução do conceito DEMPE (development, improvement,maintenance, protection, and exploitation) como base para precificação de intangíveis/royalties.
Serviços intragrupo Inexistência de método ou procedimentos específicos para serviços intragrupo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Definição dos serviços intragrupo sujeitos às regras de preços de transferência, com orientações sobre a centralização de serviços e as possíveis formas de cobrança. Serviços de baixo valor agregado terão safe harbor específico.
Contratos de compartilhamento de custo Inexistência de método ou procedimentos específicos para compartilhamentos de custo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Definição do conceito de contrato de compartilhamento de custo voltado à prestação de serviços ou desenvolvimento de intangíveis, com regras específicas para determinação dos participantes e respectivas compensações.
Contratos de compartilhamento de custo Inexistência de método ou procedimentos específicos para compartilhamentos de custo, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Definição do conceito de contrato de compartilhamento de custo voltado à prestação de serviços ou desenvolvimento de intangíveis, com regras específicas para determinação dos participantes e respectivas compensações.
Reestruturação de negócios Inexistência de método ou procedimentos específicos para reestruturações de negócios, devendo ser aplicadas as regras gerais, que por vezes são incompatíveis com a natureza destas operações. Inclusão de regras específicas para a reestruturação de negócios, principalmente nos casos em que as transferências de riscos e funções resultem em perda de lucratividade, em que serão determinadas possíveis compensações.
Transações financeiras Regras voltadas majoritariamente aos juros decorrentes dos contratos de mútuo, não havendo regras específicas para demais transações financeiras. Inclusão de regras voltadas a outros tipos de transações, tais quais operações de dívida, cash pooling, garantias, seguros, etc.
Segurança jurídica em matéria tributária Safe harbors limitados a situações bastante específicas e exclusivamente no âmbito das exportações. Ausência de previsão para Advance Pricing Agreements (APA). Ampliação das possibilidades de safe harbor, dispensando ou simplificando a documentação de preços de transferência nos casos em que determinadas transações atendam os requisitos pré-estabelecidos. Previsão para a realização de Advance Pricing Agreements (APA).
Formalização dos estudos O resultado do estudo de preços de transferência é declarado anualmente por meio de formulários na Escrituração Contábil Fiscal (ECF). O resultado do estudo de preços de transferência passaria a ser formalizado também através do Master File (relatório contendo a visão geral das transações e regras de precificação do grupo multinacional) e do Local File (relatório que demonstra o atendimento ao princípio arm’s length por parte de entidade sob análise).

Brasil x OCDE

Instituídas por meio da Lei 9.430/96, as normas de preços de transferência brasileira estabelecem parâmetros para nortear transações entre empresas domiciliadas no Brasil e as não residentes, e/ou partes não relacionadas residentes em países com tributação favorecida.

O principal objetivo é coibir a evasão de recursos para países estrangeiros, passível de ocorrer mediante a manipulação dos preços praticados em transações com partes relacionadas residentes no exterior, que poderiam implicar em redução da base tributável no país.

O sistema brasileiro foi inspirado em diretrizes da OCDE sobre preços de transferência disponíveis em 1996, e veio incorporando algumas evoluções desde então – mas não incorporou o progresso das orientações encontradas nessas diretrizes.

Como parte do processo de acessão do Brasil à OCDE, as autoridades fiscais brasileiras vinham atuando, desde fevereiro de 2018, em um projeto conjunto com o órgão, que teve por objetivo identificar as semelhanças e divergências entre suas respectivas abordagens de preços de transferência. Foram identificadas diversas lacunas significativas em relação ao sistema internacional, podendo dar origem a casos de dupla tributação, bem como a oportunidades de erosão da base tributável.

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