Por Marcelo Natale e Cassandra Alcalde, sócios da Deloitte
O depósito judicial é um instrumento utilizado nos processos judiciais que discutem obrigações de pagamento, podendo ser realizado por meio de solicitação do juízo, quando houver riscos envolvidos, ou por iniciativa da própria parte, como garantia do valor da lide.
Em face às peculiaridades do retrato litigioso brasileiro, as empresas vêm sendo surpreendidas pela dificuldade em gerir efetivamente os depósitos efetuados no âmbito dos processos judiciais. Isso acontece em decorrência de uma combinação complexa de fatores, dentre os quais destacam-se:
Essa combinação de desafios tem implicado, regularmente, discrepâncias relevantes e, devido ao impacto financeiro que pode representar, passou a ser objeto de preocupação cada vez maior dos CFOs (Chief Financial Officer), CEOs (Chief Executive Officer) e Conselhos de Administração.
Usualmente, o maior volume de depósitos judiciais nas empresas brasileiras decorre de processos que envolvem demandas tributárias, reclamações trabalhistas e ações cíveis de cobranças.
O depósito judicial deve ser necessariamente efetuado em instituição financeira oficial federal, estadual ou distrital, que o tratará de forma segregada, ficando sob responsabilidade do Poder Judiciário. Ademais, ele é remunerado pelos índices de correção da poupança, pro rata die, acrescidos da taxa referencial (TR) do período, na forma dos contratos firmados com os tribunais. Somente poderá ser resgatado por uma das partes mediante alvará expedido pelo próprio juiz que conduz o processo judicial.
O instrumento é reconhecido como um mecanismo prático e ortodoxo de um processo judicial, embora o custo de descapitalização o torne muito oneroso ou inviável para as empresas em determinadas situações – principalmente em relação à matéria tributária, quando comparado a outros tipos de garantias disponíveis. É considerado prático pois, uma vez encerrada a demanda judicial, o valor é revertido para a parte vitoriosa; e ortodoxo porque requer um controle efetivo, sistemático e preciso de movimentação relativa a penhoras, resgates da parte vencedora, bem como dos encargos remuneratórios.
A existência do elevado número de depósitos judiciais reflete diretamente na complexidade e litigiosidade que as empresas enfrentam para a manutenção de seus negócios no Brasil, já que a sua má gestão pode gerar um impacto material nas demonstrações financeiras ao longo dos anos.
Por vezes, os depósitos judiciais contabilizados no ativo estão sub ou superavaliados devido à insuficiência de controles efetivos sobre os valores depositados, penhorados, levantados e/ou convertidos em renda. Isso acontece dada a dificuldade de combinar as diversas informações necessárias para a manutenção de um depósito judicial, sejam informações de advogados externos ou do próprio departamento jurídico, extratos/relatórios de instituições financeiras e interface com o departamento financeiro/contabilidade.
Em meio a esse contexto desafiador, com um volume expressivo de depósitos judiciais a serem geridos e reconciliados continuamente, e outros terceiros envolvidos (outra(s) parte(s) do processo, Poder Judiciário, instituições financeiras e advogados patronos), existe uma verdadeira necessidade em buscar por soluções que sejam efetivas e céleres para o controle desses depósitos. É preciso implementar uma governança que inclua as diversas partes envolvidas, bem como que estabeleça processos bem desenhados e com a transparência ideal para a alta Administração e Conselho.
Gerir o passo a passo de um depósito judicial ao longo de todo o seu trâmite é algo que pode ser complexo, demandando o envolvimento de diversas áreas, mas que certamente poderá beneficiar a empresa no controle desse ativo, bem como das próprias contingências.
Nesse panorama, os CFOs, CEOs e Conselhos de Administração devem garantir diversos atributos de governança, visando a reconciliação e a confirmação contínua dos saldos de depósitos judiciais, tais como:
A gestão adequada dos depósitos judiciais tem sido algo desafiador, já que não envolve somente o gerenciamento do processo judicial em si, mas também a combinação de informações consistentes de terceiros e do próprio departamento financeiro/contabilidade, além do impacto direto que essas ações acarretam às demonstrações financeiras.
Depara-se frequentemente com uma visão intuitiva, porém superficial, de que a gestão dos depósitos judiciais está atrelada exclusivamente ao controle dos processos efetuado pelo departamento jurídico da empresa, o qual, por vezes, trabalha isoladamente dos demais departamentos devido à alta complexidade de suas atividades e dos altos riscos endereçados.
Subestima-se o quanto o resultado das atividades do departamento em questão pode impactar significantemente as demonstrações financeiras da empresa, seja para fins de contabilização do ativo, decorrente do depósito judicial e outras garantias, contingências passivas, ativos contingentes; bem como da liquidez dos negócios.
Para uma gestão efetiva dos depósitos judiciais, há diversos procedimentos a serem realizados e observados pelo departamento jurídico, de forma coordenada com outras áreas da empresa. Na ausência desses procedimentos, os riscos envolvidos serão necessariamente potencializados, já que, baseado no resultado de todo esse trabalho de controle ou falta de controle, o departamento financeiro da empresa refletirá os impactos pertinentes nas demonstrações financeiras.
Por esse motivo – somado ao crescimento do número de empresas de capital aberto (que necessitam prestar mais informações qualitativas aos seus acionistas) e ao amadurecimento do mercado, o cuidado com essa análise tem avançado nos últimos anos. Contudo, o controle ainda é realizado de forma precária e não automatizada, dificultando e encarecendo a sua manutenção ao longo dos anos.
Inicialmente, é de extrema relevância a realização de um diagnóstico, a fim de entender o cenário em que a empresa está inserida – em termos de natureza, quantidade de processos com depósitos judiciais, controles existentes e pendentes, e a forma que esse montante vem sendo reportado ao longo dos anos.
Após esse diagnóstico, é recomendado que o controle e o monitoramento dos depósitos judiciais ocorram através de um fluxo definido por critérios objetivos, devidamente suportado por uma política de gestão de contencioso que permita a uniformização dos procedimentos por meio da utilização de tecnologias jurídicas disponíveis, que auxiliam nesse processo, e do envolvimento inicial de profissionais experientes.
No atual ambiente econômico brasileiro, a necessidade de uma boa gestão dos depósitos judiciais se dá devido à busca por maior eficiência, eficácia, caixa, redução de custos, gestão e mitigação de riscos, e transparência das demonstrações financeiras. Assim, os aspectos suscitados acima devem ser discutidos amplamente pela Administração das empresas e ações efetivas para a gestão dos depósitos judiciais devem ser acionadas, tais como:
Uma vez compreendido o importante papel da adequada gestão dos depósitos judiciais para as demonstrações financeiras, revela-se que o seu controle efetivamente promove ganhos a longo prazo para a empresa.